“CAPÍTULO III
– DO PROCEDIMENTO DA TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303″.
Comentários: como distinguir a tutela provisória de urgência de feição antecipada daquela que é cautelar? Essa é a principal questão que permeia a análise do artigo 305. Ao final, trataremos de estabelecer algum critério seguro a orientar o leitor, embora com a observação de que não há critério que possa abarcar toda a variedade de situações que a realidade material cria.
O artigo 305, com efeito, cuida da tutela provisória de urgência de natureza cautelar pleiteada em caráter antecedente, ou seja, da tutela jurisdicional provisória cujo objetivo é controlar, e apenas controlar uma situação de risco concreto e atual que exista antes do momento próprio em que se poderia ajuizar a ação que podemos denominar de “principal”, no sentido de que se tratará da ação em que se controverterá sobre o direito subjetivo em si. A tutela provisória de urgência de natureza cautelar tem o objetivo de proteger a esfera jurídica do autor, ou mais propriamente a utilidade do processo e do bem da vida sobre o qual nele se discutirá.
Há em comum entre a tutela provisória de urgência de natureza cautelar e a antecipada um elemento em comum: a urgência diante de uma situação de risco concreto e atual, ou seja, que deve existir ao tempo em a ação é promovida. Mas há algo que as diferencia: enquanto na tutela cautelar o que se busca fazer é apenas proteger ou assegurar, na tutela antecipada é o satisfazer antecipadamente o que envolve o bem da vida objeto da pretensão, o que leva a alguns a denominar a tutela provisória de urgência de feição antecipada de “tutela satisfativa”.
Mas há situações criadas pela realidade material em face das quais há considerável dúvida se a tutela provisória de urgência, em lugar de proteger, não estará a satisfazer. Como também o contrário poderá ocorrer, quando a tutela provisória de feição antecipada acaba produzindo um efeito que não é propriamente o de satisfazer, senão que apenas o de meramente proteger. São os efeitos do provimento jurisdicional que deverão ser levados em consideração para precisar que tipo de tutela provisória de urgência se está a conceder, mas como dito nem sempre essa identificação poderá ser feita com precisão, não havendo como excluir a possibilidade de os efeitos serem compósitos, ou seja, tanto quanto protege, satisfaz, ou tanto quanto satisfaz, protege.
Existe uma relação de fungibilidade entre a tutela provisória de urgência de feição cautelar e a antecipada? Em parte sim, porque o satisfazer significa necessariamente proteger, embora o inverso não seja verdadeiro. Observemos que o parágrafo único do artigo 305 do CPC/2015 estabelece que, se o juiz constata que a tutela provisória de urgência pleiteada é de natureza antecipada, e não cautelar, deve fazer adotado o procedimento previsto no artigo 303, tratando, pois, de considerar como um procedimento destinado à obtenção da tutela provisória de urgência de feição antecipada, e não cautelar.
Mas haverá algum critério, algo objetivo, de que se possa utilizar para estabelecer uma razoável distinção entre uma e outra tutelas provisórias, critério que, conquanto não abarque todas as situações da realidade, possa abarcar uma boa parte delas?
Consideremos, pois, o critério do grau de irreversibilidade fática como um critério que pode ser utilizado. Segundo esse critério, quando o juiz verifica que os efeitos que fará criar com a tutela provisória de urgência podem se tornar irreversíveis em um grau considerável, mas não absoluto, é muito provável que a tutela provisória seja de feição antecipada, porque se há um considerável risco de irreversibilidade fática, não haveria razão para conceder a tutela provisória de urgência, se não fosse caso de se reconhecer que o direito subjetivo alegado parece existir para além de uma mera probabilidade. O que quer dizer que o juiz deve ser mais rigoroso no aferir do requisito legal acerca do “fumus boni iuris”, quando se trata de tutela provisória de urgência de natureza antecipada. A expressão “probabilidade do direito”, que compõe o enunciado normativo do artigo 300 do CPC/2015, e que se aplica tanto à tutela provisória de urgência cautelar, quanto antecipada, impõe ao juiz um rigor maior quando se trata desta último tipo de tutela provisória de urgência.
Adscreva-se que, em se configurando o grau absoluto de risco de irreversibilidade fática, a tutela provisória de urgência de feição antecipada não pode ser concedida, segundo o que estabelece o artigo 302, parágrafo 3ol., do CPC/2015. A tutela cautelar, contudo, poderá ser concedida se o juiz, ponderando os interesses em conflito e o mal maior a que cada parte está exposta segundo a respectiva posição no processo, constatar que o autor poderá, em não contando com a tutela provisória de urgência de natureza cautelar, suportar uma carga de sacrifício muito maior do que se dá com o réu, a ter este que cumprir a medida liminar. Parte da doutrina denomina esse critério de “evitar o mal maior”.
Se é mínimo o risco de irreversibilidade fática, quase inexistente, é muito provável que a tutela provisória de urgência deva ser a cautelar, e não antecipada, salvo se o juiz, realizando uma análise mais rigorosa, convencer-se de que o direito subjetivo alegado parece efetivamente existir, quando então deverá conceder a tutela provisória de urgência de feição antecipada, porque esta, satisfazendo, protege.