Portugal está a vivenciar um interessante episódio, do qual poderemos, quem sabe, tirar algum proveito. Pois eis o caso que está a despertar a atenção da opinião pública portuguesa: uma brasileira, que também possui a cidadania portuguesa, fixou residência no país de Camões e ali conseguiu que o Estado (o Estado português) custeasse integralmente o tratamento médico prescrito a suas duas filhas, obtendo assim, com as benesses do Poder Público, o remédio “Zolgensma”, que é hoje e desde há algum tempo o remédio mais caro do mundo, custando algum próximo a seis milhões de reais, remédio que tem conseguido alcançar eficácia no tratamento da “Atrofia Muscular Espinhal”. (Recentemente, tivemos aqui no Brasil uma decisão do Supremo Tribunal Federal, determinando à União Federal adquira e forneça esse medicamento a uma criança.)
O que está a ser discutido nesse caso é se a mãe luso-brasileira contou com a ajuda do filho do presidente da república, que teria intermediado esse interesse junto a seu pai, dele obtendo de alguma maneira o apoio (ou a ordem) a que o sistema de saúde português fornecesse o medicamento, embora o tivesse negado a todos os portugueses que antes o haviam solicitado. O presidente português a princípio negou qualquer participação no caso, quase que negando fosse pai de seu filho (?!). Mas apareceu um e-mail trocado entre o presidente da república e seu filho, e a história começou a tomar um novo rumo.
A investigação, que está a cargo do Poder Legislativo de Portugal, quer saber por quais razões houve um tratamento privilegiado à mãe luso-brasileira, bem diferente do que foi dispensado a outras mães e pais portugueses, cujos filhos, acometidos da mesma doença, não puderam contar com o caríssimo remédio. As investigações caminham a passos largos, e o presidente da república, se não tiver uma boa razão para justificar sua participação no caso, corre o sério risco de impeachment.
Em um Estado de Direito, em especial em uma república que é algo socialista, como é a de Portugal, não se admite que exista favorecimento do Estado em favor de quem quer que seja. O mesmo, aliás, deveria ocorrer aqui, ainda que não sejamos “socialistas” como são os portugueses. É o que o princípio da igualdade é o mesmo, e ambas as Constituições o preveem e o asseguram.
Aqui, não tivemos ainda nenhuma investigação do Parlamento brasileiro acerca de situações que fizeram gerar a suspeita de que pudesse ter havido indevido favorecimento, como no caso em que um famoso apresentador de televisão precisou se submeter a um transplante e em brevíssimo tempo foi operado, beneficiando-se de uma questionável prioridade na fila de transplante, beneficiado, inclusive, pela desistência de uma das pessoas que, em situação de mesma urgência, estava a aguardar pelo transplante, fato, aliás, de que se soube pelas redes sociais.