Há, sobretudo em tempos modernos, a falsa impressão de que o Legislador pode tudo, até mesmo modificar a essência das coisas. O primeiro a ser iludido por essa falsa impressão é o próprio Legislador. E na base desse equívoco está algo que KARL ENGISH havia percebido ainda nos bancos escolares, quando, em contato com os estudantes de Medicina, atinou a que o Direito, por operar constantemente com a ficção, dela extraía efeitos muitas vezes incompatíveis com a realidade.
É o que explica o projeto de lei que pretende equiparar o aborto em caso de estupro ao crime de homicídio doloso, como se fossem uma só coisa, ou como se o estupro não passasse de uma ficção que o Legislador pode desconsiderar para fins penais. Aprovado esse projeto, o aborto pode fazer com que a mulher sofra uma pena de reclusão de vinte anos, tal como se dá com o homicídio doloso. O estuprador, este terá uma pena de até dez anos de reclusão. Ficções, diria BORGES.
Mas há na Constituição brasileira de 1988 um limite às ficções que o Legislador queira utilizar. Chama-se princípio da proporcionalidade, pelo qual o Poder Judiciário faz com que o Legislador volte à realidade das coisas. Bastará, pois, fazer aplicado esse importante princípio para que a realidade prevaleça, impedindo que a mulher, quando vítima de estupro, não se transforme em seu próprio algoz.