Está em trâmite no Supremo Tribunal Federal ação na qual se busca definir qual o atual papel que as Forças Armadas exercem, ou devem exercer em nosso Estado de Direito, discutindo-se no bojo dessa ação se existe, ou deve existir um “poder moderador” e, em existindo, se esse papel é de ser atribuído ou não às Forças Armadas.

Poder-se-ia questionar a utilidade prática do julgamento, visto que, em 1964, quando estava em vigor a Constituição de 1946, estatuía aquela Constituição por seu artigo 176 que “As forças armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”, e ainda por seu artigo 177: “Destinam as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”. 

Ou seja, o texto da Constituição de 1946 é rigorosamente o mesmo em sentido do que estatui o artigo 142 da Constituição de 1988, ao enfatizar que as Forças Armadas têm a função de defenderem a Pátria, a de garantirem os poderes constitucionais, tanto quanto a função de garantirem que a lei será cumprida e que a ordem deva prevalecer. Não há dúvida, portanto, de que os enunciados normativos das Constituições de 1946 e 1988 dizem o mesmo, e aliás com uma redação muito parecida.

Mas se eram (e são) essas as funções das Forças Armadas, segundo a norma constitucional, o que teria legitimado o Golpe de 1964, para o caso de se o considerar legítimo? As Forças Armadas teriam então exercido um “poder moderador” que nem mesmo a Constituição de 1967 previa? Com efeito, se formos ao enunciado normativo do artigo 92 da Constituição de 1967, constataremos que, em essência, foram mantidas as mesmas funções que a Constituição de 1946 fixara, e dentre elas não estava o exercício do poder moderador.

Donde se deve concluir que não foi a inexistência de previsão na constitucional de 1946 quanto ao exercício de poder moderador em favor das Forças Armadas que impediu o Golpe militar de 1964, e a rigor nenhuma norma constitucional pode mudar uma realidade que se quer impor como tal.

Por essa linha de razão,  poderíamos concluir que o STF, ao interpretar a norma do artigo 142 e dizer que as Forças Armadas não exercem um poder moderador, não estaria a dizer nada de diferente do que diria se estivesse a interpretar o que então diziam as Constituições de 1946 e mesmo a de 1967, no sentido de que as Forças Armadas têm suas funções estabelecidas pela Constituição, como a de 1988, e dentre essas funções não está a de exercer um poder moderador, entendendo-se como tal um poder que, acima dos três Poderes, dirimiria conflitos entre eles.

De qualquer modo, abstraindo dessa discutível finalidade prática, é sempre oportuno que, exercendo seu poder de interpretação, explicitando o que a Constituição de 1988 quis dizer, o STF declare o que são as Forças Armadas e para que servem em uma Democracia. Muitas vezes, ou mesmo todas as vezes como afirmava NELSON RODRIGUES, o óbvio é ululante.

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