Há alguns anos, era comum o advogado dizer a seu cliente, com uma pitada de ironia, da qual ele era também uma vítima: “Ganhamos o processo,  o precatório será expedido”, antecipando-se a dizer a seu cliente que não havia previsão para que o Estado pagasse o precatório. Com o que o cliente e o advogado passavam a ter algo em comum: um crédito que existia no papel, mas que “jamais” se tornaria algo real,  diante do calote do Estado em pagar os precatórios.

Foi nesse contexto que, timidamente, surgiu um curioso fenômeno: alguém, algum louco, queria comprar o precatório, e surgia assim uma petição ao juiz do processo, comunicando a vontade do credor em “ceder” seu crédito a esse terceiro. A figura jurídica era mesmo a cessão de crédito, prevista como tal no Código Civil, mas a insólita situação jurídica causou a princípio certa perplexidade nos juízes, e muitos deles não homologavam essa cessão de crédito. Os tribunais a princípio mantiveram essas decisões, mas depois a avalanche de cessões surgiu, e foi inevitável que o fenômeno social não mostrasse sua força contra o Direito.

Mas em algum momento dessa história aqueles “loucos” deram lugar a empresas que perceberam que era de muito maior alcance o fenômeno que envolvia os precatórios, e passaram a apostar que o Estado os poderia pagar. Bastava convencê-lo a isso. E assim é que, por mágica, a vontade do Estado surgiu, e os precatórios começaram a ser pagos.

Mas isso somente ocorreu depois que inúmeros, milhares e quiçá milhões de credores já haviam cedido seus créditos, depois que haviam “vendido” seus precatórios com deságios que chegavam em muitos casos a mais de cinquenta por cento do valor de face do precatório. Os credores, sem esperança de que pudessem algum dia receber do Estado, foram compelidos a venderem seus precatórios.

Mas eis que de repente o Estado muda de opinião, e tudo passa a fazer para honrar seus precatórios, depositando em juízo o valor. A mágica surge. Aquela antiga teoria, a “da reserva do possível”, demonstrou-se incorreta, porque o possível quem faz não é a realidade, é o Estado, como faz prova a informação de dezembro do ano passado de que o Governo Federal reservou 93 bilhões de reais para pagar precatórios. Mas os pagará aos “novos” credores, ou seja, àquelas empresas que compraram os precatórios com enormes deságios, com uma margem de lucro que todo empresário quer ter. E assim, por mágica, o precatório tornou-se um ativo de grande valia, o que muitas empresas, algumas instituições financeiras, logo perceberam.

Quem disse que o Direito não faz mágica?

 

 

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