Em uma pequena cidade do interior, aguardava-se a chegada do novo juiz. O diário oficial havia divulgado o nome do magistrado, e a comunidade local ansiosamente aguardava por sua chegada. Sabia-se somente o nome do juiz, conforme a publicação oficial. Mas já era o bastante. Ou parecia ser.

E eis que o novo juiz chegou, foi cumprimentado pelo prefeito e alguns advogados, proferiu palavras de gratidão, e então a vida pareceu seguir seu fluxo normal, agora com um novo juiz, cujo trabalho em breve se iniciou na pequena cidade.

Passados alguns meses, o novo juiz tornara-se querido sobretudo por suas decisões, em que uma justa medida e um bom senso destacavam-se. O trato com as partes também era um predicado do magistrado, e não dos menores.

Ocorreu, entretanto, um insólito fato. Um advogado da pequena cidade estivera a visitar a capital do Estado e aproveitou a sua estada para conversar com um desembargador seu conhecido, a quem queria expressar, em nome da pequena cidade, o reconhecimento pelo maravilhoso trabalho realizado pelo novo juiz. O desembargador, como não conhecesse  o magistrado, resolveu anotar o nome, garantindo ao advogado que, na primeira oportunidade que estivesse a conversar com o presidente do tribunal, transmitiria a ele os elogios ao trabalho do novo magistrado.

Mas, passada uma semana, o advogado recebeu um telefone do desembargador, que lhe disse que havia algum mal-entendido, porque o verdadeiro juiz havia solicitado licença para tratamento de saúde, que, aliás,  continuava, e que aquele que ali estava, dizendo-se juiz, não era o verdadeiro juiz, senão que um outro.

Leitor de Dostoievski, o advogado imediatamente lembrou-se do segundo romance escrito pelo genial escritor, “O Duplo”, e pensou que a vida talvez estivesse a imitar a arte, e que o “juiz” que estava ali não era senão que um “outro”, que havia se apossado da identidade do verdadeiro juiz.

Atônito, o advogado fez conhecer a seus colegas e também ao prefeito a incomum situação, em que alguém  estava a proferir decisões, mas que não era o juiz, ou melhor, era um “outro”. O que fazer?, todos se perguntavam, sem atinar com qualquer solução. Afinal, o que fazer das boas decisões que aquele “outro” juiz havia dado? Anulá-las?

Alguns dias depois, o prefeito recebeu um ofício do tribunal, informando que o juiz que lá estava era o que de fato deveria ter ido para lá, e que o caso se poderia resolver singelamente apenas com a  troca de assinaturas,  substituindo aquela proferida em cada decisão pela do verdadeiro juiz, que, cientificado do fato, concordou que aquela era mesmo a melhor solução.

Descobriu-se logo depois o verdadeiro nome do “outro” juiz, aliás, um pomposo nome, denotando certa estirpe inglesa, o que de resto conviria a um magistrado.

O tempo passou, as decisões foram mantidas como se tivessem sido proferidas pelo verdadeiro juiz. Muitas das partes não  tomaram conhecimento do insólito fato. E até hoje há quem se lembre na pequena cidade daquele bom juiz, que, não fosse o nome, poderia ter sido um grande magistrado.

 

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