É bastante comum no campo do Direito que uma expressão utilizada pelo Legislador leve algum tempo para ser compreendida em toda sua extensão. Trata-se de um fenômeno que é mais amplo, envolvendo toda a Teoria da Hermenêutica, e não apenas a jurídica. GADAMER já havia tratado desse fenômeno em sua indispensável obra “Verdade e Método”. Um fenômeno, aliás, cuja origem radica na linguagem e em seu natural grau de abstração, o que nos remete a HEGEL, quando observou que “a linguagem se inseriu em tudo aquilo  que se torna para ele (o ser humano) em geral um interior, uma representação em tudo aquilo de que ele se apropria, e o que ele torna linguagem (…)” (“Ciência da Lógica – v. 1 – A Doutrina do Ser”, prefácio à segunda edição).

Da linguagem em geral passemos, pois,  à linguagem jurídica, para observar que, se é assim com palavras e expressões que compõem o enunciado de uma norma legal, o que dizer quando o  objeto da interpretação é algo que foi engendrado pela doutrina e que não compõe o enunciado normativo? Então, o tempo necessário a uma total compreensão do sentido é consideravelmente maior, e sujeito naturalmente a marchas e contramarchas. Ora se amplia, ora se restringe o significado, para então, como que por um passe de mágica, avançar até o verdadeiro sentido.

Chegamos assim ao artigo 10 do CPC/2015: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Segundo a doutrina, a finalidade dessa norma legal é a de impedir a “decisão-surpresa”, entendida como tal aquela que surge de inopino no processo, quando as partes ou não sabiam que a decisão poderia ter sido proferida, ou não a pressentiram.

“Surpresa” está aí em seu significado mais comum, exatamente aquele que é abonado pelos dicionários em geral, no sentido de algo, fato ou coisa que é inesperado, repentino, que surge de maneira imprevista. O que, no caso do processo civil, significa uma decisão cujo conteúdo se revela às partes do processo, ou ao menos a uma delas, como algo inesperado, não apenas no que diz respeito ao conteúdo em si da decisão, mas também quanto ao momento em que a decisão surge no processo.

Mas será que não devemos ampliar o significado de “surpresa” no processo civil, para alcançar toda e qualquer situação que desatenda à garantia a um processo justo, o que abarcaria, por exemplo, as câmaras reservadas, criadas não por lei, mas por um mero ato interno do tribunal? Aliás, o atribuir a tais câmaras o qualificativo de “reservadas”  bem caracteriza a surpresa, se entendermos que os litigantes têm a justa expectativa de que seu recurso será julgado por um tribunal cujos órgãos tenham sido criados estritamente por lei formal, aprovada, assim, pelo Poder Legislativo. A surpresa está, pois, na criação dessas câmaras à margem da lei.

Vemos, apenas por meio desse exemplo, o quanto ainda falta percorrer para que possamos extrair da palavra “surpresa” tudo o que é necessário para que tenhamos como efetivamente implementada a garantia a um processo justo, cujo conceito é diametralmente oposto a qualquer surpresa.

 

 

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