Se há uma ciência em face da qual os operadores jurídicos comprazem-se em desrespeitar, essa ciência é a Lógica. A cada passo, vemos como muitos pensamentos jurídicos são construídos sem observarem as mais elementares noções da Lógica, como os princípios da identidade e o da não contradição, segundo os quais se uma coisa é, ela não pode deixar de ser, e muito menos não pode ser considerada como verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Tomemos um exemplo dos dias atuais.

Refiro-me à tese de que, embora o contrato de seguro gere o efeito da sub-rogação em favor da seguradora, e que por isso se deva manter a natureza da relação jurídico-material, o que significa dizer que, se havia uma relação de consumo em função da qual a seguradora pagou a indenização, essa relação se mantém como tal, o que, aliás, é próprio de ocorrer quando se fala em sub-rogação. Se há sub-rogação em contrato de seguro, a relação material em sua natureza, essência e efeitos é transmitida à seguradora.

Mas, segundo a tese em questão, quando há uma relação de consumo subjacente ao contrato de seguro, essa sub-rogação só opera efeitos na relação material, e não no campo do processo. Ou seja, a prevalecer essa tese, teríamos uma relação jurídico-material que é de consumo, mas que não é de consumo.

Poder-se-ia argumentar que a tese não está a negar que exista uma relação de consumo que foi sub-rogada à empresa seguradora, senão que apenas os efeitos processuais previstos no Código de Defesa do Consumidor não estão a ser sub-rogados, senão que apenas a relação jurídico-material.

Mas devemos lembrar que uma relação é de consumo não porque exista algum aspecto processual que a possa qualificar como tal, senão que ela é de consumo porque a relação material assim a qualifica. Os efeitos processuais previstos no Código de Defesa do Consumidor são uma consequência da qualificação prévia de consumo da lide.

Destarte, se a relação material de consumo se mantém como tal quando sub-rogada à empresa seguradora, os efeitos processuais que são dependentes da relação de consumo também são objeto da sub-rogação, porque do contrário se deveria concluir que existiria uma relação que é de consumo, e ao mesmo tempo que não é de consumo para efeitos processuais, quando estes são acessórios àquilo que é o principal, porque, como dito, o Código de Defesa do Consumidor qualifica a relação de consumo apenas sob o aspecto da relação material.

Mas seriam todos os efeitos processuais que se acoplam à relação jurídico-material objeto de uma sub-rogação? Evidentemente que haverá efeitos que são específicos à posição processual do consumidor, mas apenas quando o Código de Defesa do Consumidor terá levado em conta apenas essa posição processual como razão para estabelecer um determinado efeito processual. Caso, por exemplo, da competência.

Diversa, contudo, é a situação da técnica da inversão do ônus da prova. Como vimos em um texto anterior, o Código de Defesa do Consumidor autoriza a aplicação dessa técnica seja quando o consumidor é hipossuficiente, seja quando “for verossímil alegação”, segundo o que prevê claramente seu artigo 6o., inciso VIII. A utilização da conjunção “ou” nesse dispositivo legal é bastante evidente no sentido de que o Legislador criou duas situações, totalmente separadas, para que se legitime a aplicação da técnica da inversão do ônus da prova.

Devemos concluir, portanto, que se a sub-rogação fez com que a relação material de consumo fosse transferida à titularidade da empresa seguradora, não se lhe há negar a possibilidade de contar com a técnica da inversão do ônus da prova, quando for verossímil a sua alegação no processo.

 

 

 

 

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