O Superior Tribunal de Justiça – STJ vem de fixar a tese 1198, segundo a qual, “Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto a emenda da peça inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitada as regras de distribuição do ônus da prova”.
Reconhece-se, sem dúvida, algum avanço no tratamento que se deve dar à figura da “litigância abusiva”, que muitos ainda insistem chamar de “litigância predatória”, quando essas denominações são ambas impróprias, porque se realmente se tratasse de uma litigância “abusiva”, teríamos que admitir que o direito de ação existe, mas que estaria a ser exercido para além de sua finalidade, o que não justificaria o demasiado rigor de fazê-la extinta anormalmente (ou seja, sem a resolução do mérito da pretensão). E quanto à denominação “litigância predatória”, remetemos o leitor ao que escrevemos aqui acerca do tema, quando observamos que o que fica claro é que o substituir a emblemática expressão “predatória” por “abusiva” tem a única finalidade de diminuir a carga de negatividade que aquela palavra havia gerado na comunidade jurídica e na opinião pública em geral, que haviam interpretado a “litigância predatória” como um estratagema pelo qual se estava em verdade a suprimir dos consumidores o direito de ação, constitucionalmente reconhecido.
Mas, como dito, a novel tese fixada pelo STJ traz algum avanço, ao estabelecer critérios, digamos, objetivos, com o que busca impedir que se faça extinguir uma ação apenas por uma mera suspeita, ao impor ao juiz explicite, de modo fundamentado, por qual razão concreta está a presumir se trate de um caso em que possa haver “litigância abusiva”.
Mas que é isto, pois, de “litigância abusiva”? Sempre que se pensa nesse tema, supõe-se que se trate de uma ação que não deveria ter sido promovida, porque aquilo que ela faz parecer não é em realidade. Esta é de fato uma boa definição, mas com ela não ficamos a saber, com segurança, de que maneira podemos identificar e reconhecer a “litigância abusiva”, e essa indefinição nos coloca sob o risco de suspeitar além de um justo limite, e com isso fazer extinta ações que, conquanto pudessem ter a aparência de “litigância abusiva”, são verdadeiras e legítimas ações. Há algo aí que nos faz lembrar de KAFKA e de sua obra “O Processo”, escrita sob o impacto da Primeira Guerra Mundial. Falaremos disso mais adiante.
A novel tese fixada pelo STJ possui, sem dúvida, o mérito de querer encontrar algum critério objetivo pelo qual os juízes possam ser orientar com segurança, e nesse querer já está um grande avanço, mas infelizmente esse é o único avanço.
Com efeito, a tese acaba por trazer novos problemas, como o relacionar a “litigância abusiva” ao interesse de agir, quando essa relação não existe. Lembremos que o interesse de agir, segundo a melhor doutrina, consiste no reconhecer, “in status assertionis”, ou seja, em um plano de cognição bastante limitado, que a tutela jurisdicional pleiteada é necessária diante das circunstâncias colocadas pelo autor na petição inicial do processo, e que, além de necessária, ser-lhe-á util se, ao cabo, a sentença lhe for favorável. O interesse de agir também exige ainda que exista uma adequação instrumental entre o provimento jurisdicional e o bem da vida pleiteado no processo. Como, pois, impor ao autor demonstre possuir o interesse de agir para além daquilo que é comum exigir para qualquer situação, sob o risco de ver a sua demanda qualificada como “litigância abusiva”?
E o que se deve entender quando a tese fala em que o autor deve comprovar a “autenticidade da postulação”? Deve comprovar que ele autor é mesmo o autor, que o réu é mesmo o réu, e, quem sabe se, no limite, o juiz, ele próprio, não possa exigir que o autor comprove que o juiz é mesmo o juiz, em um cenário que talvez KAFKA pudesse ter se utilizado como exemplo de como o processo pode se tornar “kafkiano” demais, bastando tornar inacessível o acesso à justiça, conquanto diga que esse acesso está ali aberto a todos.