O fenômeno não é comum no Direito, o de se substituir um nome a um determinado instituto ou situação. O nome de batismo é o que comumente fica. Mas, conquanto raro, o fenômeno acontece e o que quase sempre explica a mudança do nome não está nele, em sua impropriedade, mas em uma razão oculta.
É o que ocorre com o que se convencionou chamar até aqui de “litigância predatória”, que passa a ser denominada de “litigância abusiva”, instituto que, em sua nova roupagem, caracterizar-se-ia não pelo uso “abusivo” do processo, que para tanto o CPC/2015 já a tinha previsto, ou mesmo o CPC/1973 já o havia. O instituto é novo, tanto quanto o nome que se lhe deu.
“Litigância abusiva” seria, então, segundo um recente ato normativo emanado do Conselho Nacional de Justiça, o “desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso ao Poder Judiciário, inclusive no polo passivo, comprometendo a finalidade de prestação judicial e o acesso à Justiça”.
São tantos conceitos indeterminados utilizados nesse enunciado que o intérprete fica mesmo em dúvida se o órgão que engendrou o instituto da “litigância abusiva” sabe bem o que ela significa, ou pode significar. Com efeito, a referência às finalidades “social, jurídica, política e/ou econômica” é falar de tão variadas e distintas situações, cada qual com sua especificidade, que a rigor qualquer ação poderá ser qualificada como “litigância abusiva”, bastando que o juiz extraia daqueles conceitos indeterminados o conteúdo que queira. Afinal, o que se deve entender como “desvio” ou “excesso dos limites”, considerados estes em sua finalidade social ou política ou econômica?
Mas o enunciado vai ainda mais longe, ao falar que a “litigância abusiva” também se configurará quando forem praticadas condutas “frívolas”. Mas o que se deve entender por tal, ou que não esteja já no tradicional instituto da litigância de má-fé? Não terá sido melhor não criar algo novo para o que já existe, bastando aplicar a litigância de má-fé e o conceito de ato abusivo que surge bem delineado no Código Civil?
Fica-se com a nítida impressão de que o novel instituto – o da “litigância abusiva” – surge com um propósito que não está no enunciado, mas para além dele. Mas qual será esse propósito, obstar que algumas empresas sejam acionadas por inúmeros consumidores?
O que fica claro é que o substituir a emblemática expressão “predatória” por “abusiva” tem a única finalidade de diminuir a carga de negatividade que aquela palavra havia gerado na comunidade jurídica e na opinião pública em geral, que haviam interpretado a “litigância predatória” como um estratagema pelo qual se estava em verdade a suprimir dos consumidores o direito de ação, constitucionalmente reconhecido.