Uma alta autoridade brasileira, em pronunciamento oficial por estes agitados dias, disse esperar que os eleitores, ao votarem, não se deixem levar por “desalentos insuperáveis”. Conquanto não tenha explicitado o que entende por tal, ou seja, o que a autoridade oficial compreende por “desalentos”, e ainda por qual razão os valora como “insuperáveis”, o fato é que há aí um contexto novo, produzido por uma fonte oficial, e isso merece uma reflexão mais profunda, mas não ao nível da Política, nem mesmo do Direito, mas da Filosofia e sobretudo da ciência descoberta e desenvolvida pelo genial FREUD: a PSICANÁLISE, em cujo centro está o objetivo de fazer com que o indivíduo, conhecendo seu Eu, possa liberar emoções, compreendendo melhor as experiências que vivenciou e que se lhe tornaram de algum modo reprimidas, o que em certa medida se poderia aplicar ao indivíduo-eleitor, cujo comportamento poderia assim ser analisado no momento do voto, como sugere o discurso da alta autoridade brasileira ao falar em “desalentos insuperáveis” com os quais o eleitor brasileiro convive de há muito, e que tem aumentado positivamente em especial nesta eleição, considerando que em virtude de uma presença mais intensa das redes sociais, o eleitor passou de algum modo a tomar um contato mais próximo com seu Eu enquanto eleitor, em um fenômeno que FREUD quiçá poderia ter considerado no contexto de seu famoso ensaio, “O Futuro de uma Ilusão”, quando observa que as pessoas, em geral, experimentam seu presente de forma ingênua, “sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; tem primeiro de se colocar a certa distância dele; isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julguem o futuro”.
Mas infelizmente não poderemos contar diretamente com os ensinamentos de FREUD nesse campo, pois que ele a seu tempo não pensou, nem podia pensar em particular no indivíduo-eleitor, embora tenha, em alguns de seus ensaios, operado com a então embrionária teoria dos papéis. Entretanto, poderemos no socorrer de outro genial filósofo, JACQUES LACAN, que trouxe aos estudos do autor de “O Mal Estar na Civilização”, mais luz, embora muitas vezes nos provocando com mais dúvidas, como fez, em especial, ao tratar do Real, inserido em uma cadeia que é formada também pelo simbólico e pelo imaginário. Diz LACAN:
“(…) O importante é o real. Depois de haver falado longamente do simbólico e do imaginário, fui levado a me perguntar o que podia ser o real nessa conjunção. Claro que o real não pode ser apenas uma dessas rodinhas de barbante. Esta é a maneira de apresentá-las em seu nó de cadeia, que, nela inteira, constitui o real do nó”.
Se refletimos, pois, sobre o indivíduo-eleitor, temos de um lado a observação feita por FREUD no sentido de que ele não pode assimilar com completude seu presente (as pessoas em geral experimentam seu presente de forma ingênua, e assim também o eleitor), e doutro lado a importância do Real, de que trata LACAN em seu ensaio “De uma Falácia que testemunha do Real”, de 1976.
Quem sabe não estará exatamente nesse meio-termo a compreensão daquilo a que a nossa alta autoridade quis se referir quando fala em “desalentos insuperáveis” com os quais o eleitor brasileiro vive?
Mas uma coisa é certa, as redes sociais trouxeram o eleitor cada vez mais próximo ao Real, e como o Real é sempre envolto em muitas camadas, não se pode condenar as redes socais por revelarem ao eleitor o que é a multifacetada realidade, que antes, com os meios de comunicação tradicionais, ele não podia perceber. As redes sociais são, portanto, o Real do nó com que se forma a democracia. E o Real, como lhe é próprio, traz sempre desalentos.