É um fato relativamente recente e seu surgimento pode ser explicado com a introdução em nosso direito positivo das súmulas e teses vinculantes, as quais obrigam os juízes a proferirem sentenças e acórdãos na exata consonância com o entendimento sumulado. Tornou-se bastante frequente, com efeito, que se divulgue  a estatística quanto à produtividade dos juízes e tribunais, com números que se superam a cada nova estatística, o que em grande parte é devido às sumulas e teses vinculantes, porque isso obviamente simplifica o trabalho de juízes e tribunais, que, dispensados de pensarem, apenas copiam e colam na sentença e no acórdão o entendimento sumulado, o que faz com que consigam aumentar, sem esforço, a sua produtividade, dispensando-os do longo e pesaroso trabalhoso que enfrentariam, se tivessem que pensar.

E com essa maior produtividade os juízes ficam felizes e envaidecidos, porque a sensação que têm é que seu trabalho está a produzir efeitos concretos, o que é sempre importante como fator de motivação. Ocorre com os juízes, pois, um fenômeno muito parecido com aquele observado por TOCQUEVILLE quanto ao sistema do júri: “Não sei se um júri é útil para os litigantes, mas estou certo de que é ótimo para os que têm que decidir o caso. Eu o considero um dos meios mais eficazes de educação popular à disposição da sociedade”. Sentem-se os juízes, pois, engajados em algo que lhes é maior, tomados da sensação de que, fazendo mais e mais sentenças e acórdãos, ainda que proferindo juízos ligeiros, estão a contribuir para a melhoria da imagem do Poder Judiciário perante a opinião pública.

Mas tal como ocorre com o sistema do júri, em que é indispensável que os jurados tenham a convicção de que estão fazendo algo valioso e importante, para além de sua própria atuação, também no caso dos juízes essa condição deve existir. Ou seja, os juízes devem estar convencidos de que, muito mais importante de se saber se as súmulas e teses vinculantes estão corretas,  o fato é que o Poder Judiciário está a pacificar a sociedade, produzindo mais e mais sentenças e acórdãos, e com isso os juízes se sentem satisfeitos com o papel que lhes é reservado nesse sistema de justiça.

Todavia, há algo, uma espécie de truque, por trás da divulgação dessas estatísticas, que os juízes em geral não percebem. E a eficácia do truque depende necessariamente de que não se o perceba, porque o efeito do truque desaparece no mesmo  momento em que os juízes se dão conta de que aquilo que conduziu o Legislador a criar  as súmulas e teses vinculantes não está em se fazer justiça, senão que beneficiar grupos econômicos poderosos, para o que  se suprimiu dos juízes o principal predicado que a judicatura deve possuir: a independência do juiz no pensar e no decidir.

Está aí, pois, a ideologia oculta do processo civil brasileiro. Fiquemos atentos ao que escreveu o filósofo, SLAVOJ ZIZEK em seu livro “O Sublime Objeto da Ideologia”, tratando da visão de TOCQUEVILLE acerca do sistema do júri,  e como daí podemos extrair a lição que fará com que aquilo que então era oculto, revelar-se-á puro e cristalino a nossos olhos:

(…) assim que os jurados tomam ciência de que os efeitos judiciais de seu trabalho são praticamente nulos, e de que o verdadeiro interesse dele é o efeito surtido em seu próprio espírito cívico – seu valor educacional -, esse efeito educacional se estraga”. 

O mesmo fenômeno que envolve o trabalho dos jurados, pois, está por detrás da criação das súmulas e teses vinculantes, para cuja eficácia se criou um sistema de ideologia, no qual a divulgação das estatísticas tem fundamental importância, por gerarem nos juízes a sensação de que, respeitando as súmulas e teses vinculantes, estão a cumprir com seu papel cívico, produzindo com rapidez sentenças e mais sentenças, acórdãos e mais acórdãos.

Entretanto, como observa ZIZEK, tão logo se percebe que “o verdadeiro objetivo é a consistência da própria atitude ideológica, o efeito é contraproducente”. Ou seja, o truque deixa de produzir efeito, o que no caso dos juízes significa que, quando estes percebem que estão a fazer apenas aquilo que a ideologia dominante lhes impõe, e que  essa ideologia não serve senão que a seu próprio fim (o de proteger os interesses dos grupos econômicos), e que a ideologia em favor da qual estão a serviço não serve para mais nada, então o truque está descoberto.

Por óbvio, toda ideologia sabe como é fundamental manter o segredo oculto, e como a liberdade de pensamento e de expressão constitui o risco máximo a que um sistema de ideologia está exposto. É o que explica a presença de uma regra como a do artigo 927 no Código de Processo Civil de 2015, e de como a estatística é uma arma poderosa para essa finalidade.

 

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