O genial processualista uruguaio, EDUARDO JUAN COUTURE, tratando dos procedimentos de jurisdição voluntária, havia feito observar, resultado de sua experiência, de quão variada pode ser a forma como cada país pode decidir se uma determinada matéria deve ou não ser submetida a processo judicial, ou se é possível que um cartório extrajudicial possa praticar o ato, como ocorre, por exemplo, com o tema do divórcio. Aspectos relacionados diretamente ao modelo de Estado e ao grau de concentração ou delegação do poder determinam a escolha por uma forma ou outra, não sendo incomum que alguns países adotem um sistema misto, em que alguns atos possam a princípio ser praticados por via extrajudicial, mas havendo alguma situação que caracterize o interesse público, então o ato é reservado à competência exclusiva do Poder Judiciário.
Há, com efeito, países cuja legislação concede aos cartórios o poder de homologarem o divórcio consensual, caso do Brasil. Se os cônjuges são capazes, e se podem livremente expressar a sua vontade, o que obstaria que pudessem manifestar essa vontade perante um cartório extrajudicial? Mas quando há filhos menores, e é necessário regular o regime de guarda e de visitação?
O mesmo se poderia indagar acerca do inventário e do arrolamento: se todos os herdeiros são capazes, por qual razão se os deveria submeter a um processo judicial, quando podem, perante um cartório, definir como querem dividir os bens herdados? Mas se houver dentre os herdeiros um incapaz?
O que é certo é que cabe ao Legislador, e apenas a Lei definir qual o campo da jurisdição voluntária, demarcando aquilo que cabe exclusivamente ao Poder Judiciário, e o que pode ser feito perante um cartório extrajudicial. Não cabe senão ao Poder Legislativo definir essa matéria, aliás como a Constituição exige. Não cabe a um órgão administrativo, portanto, decidir se um cartório extrajudicial pode homologar divórcio quando há filhos menores, como também não cabe regular se o inventário deve ou não ser processado perante um cartório.
Devemos levar em consideração que, para além do tipo de Estado e do grau de concentração de poder, interesses econômicos podem estar presentes, porque os cartórios cobram pelos serviços que praticam, e naturalmente querem sempre aumentar a sua receita. É legítimo que o queiram, mas isso não exclui a necessidade de que o Poder Legislativo, e somente ele, diga que atos os cartórios podem praticar.