Não te apresses, caro leitor, em responder à essa questão que lhe pode parecer, à primeira vista, óbvia, pois se nosso Supremo Tribunal Federal recebeu o poder que a Constituição de 1988 deu-lhe de controlar a constitucionalidade das leis em geral, não haveria senão reconhecer que, sim, temos uma corte constitucional.

Sucede, entretanto, que há características específicas que estão presentes em uma genuína corte constitucional, nos moldes, pois, em que essas cortes existem em alguns países da Europa Constitucional, como a Alemanha por exemplo, e que não se encontram em  um tribunal superior, conquanto exista entre uma corte constitucional e um tribunal superior um elemento em comum, que é o de possuírem ambos, a corte constitucional e o tribunal superior de um país, o poder de examinar a constitucionalidade das leis em geral, se a constituição assim o estabelece.

Mas as diferenças entre uma corte constitucional e um tribunal superior são estruturais, porque a corte constitucional é o resultado de uma simbiose entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não apenas no sentido de que uma corte constitucional é composta por membros desses poderes. A questão estrutural vai muito além disso. São os poderes que a Constituição confere a uma corte constitucional que a caracterizam, porque são precisamente esses poderes que formam a essência de uma corte constitucional.

E essa essência atua em uma via de mão dupla, na medida em que o tipo de Estado que se tem quando há uma corte constitucional é necessariamente diverso do tipo de Estado em que não exista uma corte constitucional. E o papel que uma corte constitucional desenvolve molda o tipo de Estado de uma maneira tal que esse tipo de Estado não pode existir senão porque a corte constitucional existe. Há uma relação recíproca, portanto, entre o tipo de Estado e a existência da corte constitucional, em função do que se deve a rigor dizer que o grau de “democracia possível”, para utilizar de um conceito cunhado por GIOVANNI SARTORI, depende da existência ou não de uma corte constitucional.

Que diferenças se pode estabelecer entre um tipo de Estado, como o nosso, em que não há uma corte constitucional, em que o controle de constitucionalidade é feito por meio de um tribunal superior formado por integrantes do Poder Judiciário, e o tipo de Estado em que, como na Alemanha, existe a corte constitucional, formada por integrantes de todos os Poderes?

Para além daquelas diferenças ontológicas que se projetam sobre o tipo de Estado, há aspectos, digamos mais práticos,  pelos quais se pode compreender  como o relacionamento entre os Poderes é mais fluído, menos desgastado, quando há uma corte constitucional, sobretudo quando lhe caiba decidir problemas mais sensíveis e que reflitam interesses comuns entre os Poderes, caso, por exemplo, do orçamento. Tivéssemos uma corte constitucional à qual coubesse o perscrutar sobre o modelo de orçamento adotado pelo Poder Legislativo, e muito provavelmente a solução dada por uma corte constitucional não enfrentaria tanta resistência, e tanto desgaste como ocorre agora em nosso país. Essa mesma relação mais fluída muito provavelmente teríamos  também diante de um outro sensível problema, como é o que versa sobre o chamado “marco temporal”, envolvendo as terras indígenas.

A complexidade que caracteriza a nossa sociedade pós-moderna está como a nos impor a criação de uma corte constitucional, sem a qual nossos problemas darão  azo a conflitos institucionais cada vez mais sérios, que acabam por tensionar a nossa Democracia, testando seus limites, o que evidentemente não nos convém.

 

 

 

 

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