Logo que surgiu o fenômeno, deu-se-lhe o nome de “assédio judicial“, caracterizado no fato de se ajuizar, não a um só tempo, mas em intervalos, contra um mesmo jornalista uma série de ações, distribuídas nas mais variadas cidades brasileiras, com a clara intenção de criar ao réu a dificuldade de ter que se defender em inúmeros processos, em trâmite em varas tão distantes uma das outras que o custo envolvido na defesa desses processos produz, só por si, o efeito que os autores dessas ações querem obter, não necessariamente a vitória no processo.
A denominação dada – a de “assédio judicial” – criou um problema, porque parecia subjacente a ela a ideia de que o Poder Judiciário de alguma forma havia dado azo, ou incentivado o fenômeno, o que evidentemente não correspondia à verdade. O Poder Judiciário, por força de norma constitucional, deve recepcionar toda e qualquer ação, independentemente de o interesse que move o autor não ser dos mais escrupulosos, o que, contudo, não obsta que, no curso do processo, o juiz possa identificar um uso ilegítimo, ou ilegal da ação, para a fazer extinta, aplicando ao autor as sanções que o Código de Processo Civil prevê quando se configura a prática da litigância de má-fé, que, a rigor, abarcar a punição ao fenômeno do “assédio judicial”, embora o Legislador não tivesse podido lobrigar que esse fenômeno surgiria. A realidade assim o impôs, e a preocupação com esse tipo de utilização ilegítima ou ilegal do processo passou a ser um foco de preocupação, sobretudo depois que uma jornalista de um importante jornal brasileiro foi demandada em mais de cem ações, distribuídas nas mais distantes cidades brasileiras.
Mas como o Legislador não previu expressamente essa situação, e o instituto da litigância de má-fé foi pensado em termos de uma ação específica, considerando apenas a sua própria conformação, e não em face de um conjunto de ações distribuídas em diversos juízos, surgiu a questão de saber se havia mecanismo legal para sancionar essa conduta. A denominação imprópria de “assédio judicial” contribuiu, em não pequena medida, para dificultar uma correta e completa compreensão do fenômeno, o que somente teve lugar quando se atinou para o cerne da questão, que estava na utilização ilegítima do processo civil em moldes semelhantes a um cerco que os autores fazem contra um mesmo réu, com o objetivo de exercerem sobre ele um certo domínio, em uma situação semelhante àquela que deu origem ao termo “assédio”.
Mas um assédio para a consecução do qual se vale do uso do processo, e seria de todo natural, portanto, que se denominasse o fenômeno de “assédio processual”, com o que se teria podido compreender com mais facilidade o que subjazia a ele, e como o processo estava sendo utilizado como instrumento desse tipo de assédio.
De todo o modo, o Supremo Tribunal Federal vem de decidir uma ação direta de inconstitucionalidade, declarando a prevalência do princípio da liberdade de expressão em favor dos jornalistas, extraindo desse mandamento de otimização, ou seja, desse princípio um conteúdo que o protege do fenômeno do assédio processual (melhor o chamarmos assim), de maneira que, em se caracterizando o fenômeno, os juízes devem considerar aplicável a regra geral de competência fixada pelo Código de Processo Civil, a que determina deve o réu ser processado no foro de seu domicílio. As ações, portanto, serão reunidas perante um só juízo, aquele cuja competência territorial abranger o domicílio do réu.
Correta essa solução, que, aliás, foi alcançada por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade e da ponderação como sua forma de controle. Com efeito, não se suprime dos autores, de cada um deles, o direito de acionar judicialmente o jornalista, contra ele demandando, com o que se protege o direito de ação, constitucionalmente previsto e de acesso a todas as pessoas. Mas a compasso com o reconhecer como legítimo, em tese, o direito de ação de cada um dos autores, caracterizando-se o fenômeno do assédio processual, as ações individuais serão mantidas em seu regular processamento, apenas que reunidas, por uma espécie de conexão, perante um mesmo juiz, a quem caberá analisar se nessas inúmeras ações não poderão os autores ter procedido em desacordo com o princípio da lealdade e da boa-fé, buscando obter um resultado que não está necessariamente na vitória no processo, senão que no criar um injustificado mecanismo que pretendia dificultar a defesa do réu nos processos.
E chegamos assim à figura da litigância de má-fé, que o CPC/2015 colocou em segundo plano ao desprestigiar a importância da ética no processo civil, pondo em seu lugar o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. É a velha litigância de má-fé o que está presente no fenômeno do assédio processual, e as normas do CPC/2015 são suficientes para sancionar essa conduta.