KELSEN dedicou o último capítulo de seu famoso, mas pouco compreendido livro “Teoria Pura do Direito”, à interpretação, usando de uma imagem que se tornou simbólica: a da “moldura”. Para ele, o juiz, ao interpretar uma norma legal, cria (sim, cria) o conteúdo que comporá essa moldura:
“(…) O Direito a aplicar forma (…) uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta em qualquer sentido possível”.
E como o juiz é, tanto quanto o é o Legislador, um criador do Direito, ele pode preencher a moldura inclusive com o que está fora dela, de maneira que àquelas possibilidades que a norma concede ao preenchimento da lacuna, há ainda aquelas que o espírito criativo do juiz encontra, e quando ele decide preencher a moldura com o que a rigor estava fora das possibilidades da norma, a solução encontrada pelo juiz transforma-se em uma uma das possibilidades, ou melhor, naquela que efetivamente preencherá a lacuna.
Mas será essa a possibilidade correta. Vejamos o que diz KELSEN: “A questão de saber qual é, dentre as possibilidades que se apresentam no quadro do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. A tarefa que consiste em obter, a partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único ato administrativo correto é, no essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas leis justas (certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as única leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas”.
Quando, há dias, o Supremo Tribunal Federal, ao ensejo de examinar a constitucionalidade de uma lei que restringe ou veda a indicação de políticos para cargos públicos, reconhecendo essa constitucionalidade, decidiu excepcionar as indicações já feitas, foi assim que se preencheu a moldura daquela decisão judicial. Poder-se-ia afirmar haver um contrassenso lógico, porque se é constitucional a lei que restringe ou veda tal espécie de indicação, seriam inválidas todas as nomeações que desatendam ao rigor da lei. Mas essa é já uma questão de política do Direito, como observa KELSEN.