Há normas pensadas pelo Legislador para regularem uma situação que, em essência e finalidade, é simples, e o enunciado normativo busca alcançar essa singeleza, evitando criar dificuldades aos juízes na intelecção da norma.  Estabelecida a norma legal, entretanto, os juízes levam em consideração (ou engendram) uma outra finalidade não pensada pelo Legislador, e os problemas começam. É o caso do (singelo) enunciado do parágrafo 11 do artigo 85 do CPC/2015:

“O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”.

Note-se desde logo que a norma não fala, e a rigor sequer cogita de a majoração poder ser utilizada como pena ou punição pelo simples ato de recorrer. O que o Legislador quis estabelecer é naturalmente simples: majoram-se os honorários de advogado como uma azada contraprestação a um trabalho adicional que o advogado foi obrigado a fazer, quando interpôs recurso. Basta considerar o emprego da emblemática expressão “trabalho adicional” para se chegar à óbvia conclusão.

Assim, se o trabalho adicional desenvolvido pelo advogado no ato de interpor recurso deu resultado, porque o recurso foi provido, ainda que em parte, é justo que se majorem os honorários do advogado. Trata-se, singelamente, de remunerar com maior justiça o trabalho do advogado materializado na interposição de um recurso que se mostrou necessário, tanto assim que foi provido, ainda que em parte.

Sucede, entretanto, que uma grande parte da jurisprudência vê a majoração dos honorários de advogado sob uma enviesada perspectiva: a de que a majoração dos honorários constitui uma punição ao advogado que, sem razão, recorre. De maneira que, se a parte recorre e o recurso não é provido, deve suportar, como pena, a majoração dos honorários de advogado da parte contrária.  Tratar-se-ia, portanto, de uma espécie de punição por algo que se assemelharia à litigância de má-fé. A parte que interpõe recurso e perde, deve sofrer uma pena.

Mas o que legitimaria essa interpretação? O Legislador em nenhum momento fala de “punição”, e o enunciado normativo é por demais claro no fixar a sua finalidade. Portanto, não podem os juízes inventar uma finalidade que não foi pensada pelo Legislador.

E a situação ficou ainda pior com a interpretação feita pelo STJ  ao dizer que a norma legal “foi criada para fortalecer os princípios da celeridade processual e da duração razoável do processo (…), servindo como um desestímulo à interposição de recursos com pouca ou nenhuma perspectiva de êxito”.

Devemos desde logo destacar que não há instituto processual no CPC/2015 que possa ter sido criado sem que o Legislador tivesse descurado do princípio da celeridade, porque norma constitucional impõe que se observe esse princípio, o que, contudo, não significa que esse princípio tenha sempre a mesma relevância, ou que o princípio da celeridade não deva ser ponderado em face de outros princípios constitucionais.  Quando se cuidam de normas que preveem os recursos, por exemplo, o princípio da segurança jurídica tem primazia sobre o princípio da celeridade.

Quanto ao argumento de que se deva punir de algum modo a “interposição de recursos com pouca ou nenhuma perspectiva de êxito”, como se pode fazer de antemão esse tipo de valoração? Quantas e quantas vezes uma tese jurídica que havia sido rechaçada não foi depois acolhida, e muitas vezes pelo mesmo tribunal?

Qual o limite objetivo que se deve estabelecer entre o direito à interposição de recurso e o abuso desse direito? É para isso que existem os institutos da litigância de má-fé e do abuso do direito processual, cujos requisitos estão previstos no CPC/2015 e que não prescindem de uma análise profunda acerca da comprovação de dolo ou culpa grave, observando-se que  essa análise somente pode ocorrer sob o contraditório, como garante a ideia de um processo justo, enfeixada no princípio do devido processo legal. Evidentemente, que o tribunal, quando está a fixar os honorários de advogado, não encontra terreno, nem momento próprio para analisar detidamente se houve dolo ou culpa grave na interposição de recurso, o que é assaz motivo para que possa atribuir ao instituto da majoração dos honorários um caráter punitivo.

Outro problema criado com a interpretação levada a cabo pelo STJ radica no excluir o direito à majoração dos honorários de advogado quando o recurso é parcialmente provido, como se nesse caso não se pudesse justificar o trabalho adicional realizado pelo advogado no interpor o recurso. Provido em parte o recurso, a remuneração pelo trabalho adicional deve ser proporcional, mas não excluída.

 

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