Certamente, o título afigurar-se-á enigmático ao leitor: “Cunha”: do que se tratará? A língua é a mesma (a Portuguesa), mas, andando o tempo, suas variações de sentido ampliaram-se em considerável número, e isso já ao tempo em que PAULO RONAI, fugindo de sua Hungria buscava em Portugal um lugar seguro, longe do nazismo e dos nazistas, escolhendo a terra de CAMÕES por supor ele, RONAI, dominasse a língua portuguesa, quando então descobriu que, ao menos o português de Portugal, ele não compreendia. Ao chegar no Brasil, aqui sim a língua portuguesa pareceu-lhe familiar.
Portanto, colocar ao leitor brasileiro a palavra “cunha” no título de uma publicação, como aqui o fazemos, é fazer-lhe provocar um assombro, porque a palavra, quando muito, poderá lhe sugerir aquele instrumento de ferro que é utilizado para cortar pedras. Esse é também o sentido da palavra “cunha” em Portugal, mas há ali um outro sentido que, conquanto figurado, tornou-se mais comum.
“Cunha”, para os portugueses, possui o significado de empenho, pessoa que serve de empenho, ou ainda um pedido especial realizado a favor de outra pessoa, uma recomendação. Aqui, chamaríamos “jeitinho”. Pois bem, é com esse preciso sentido que os jornais portugueses referem-se ao episódio envolvendo o presidente português, que, a pedido de seu filho, teria intercedido junto a órgãos da saúde daquele país para que duas gêmeas pudessem obter, gratuitamente, o acesso o remédio mais caro do mundo, remédio a que os portugueses não têm acesso, senão que o comprando. E a cunha deu certo, porque o remédio foi adquirido com recursos públicos e empregado no tratamento das gêmeas.
No Brasil, é comum chamar-se esse tipo de episódio como “jeitinho”, episódio que é muito mais comum do que imaginamos, e quiçá porque não o chamamos pelo nome próprio – “cunha” -, é que talvez não nos damos conta de que os privilégios estão a acontecer todos os dias. Talvez fosse o caso de os jornais começarem a usar da expressão “cunha”, o que despertaria a atenção do leitor para o sentido que subjaz à palavra, e daí a opinião pública poderia despertar para enxergar as desigualdades, seja na área da saúde, seja em muitas outras, que aqui sucedem.
E.T.: o dicionário Aurélio registra como uso figurado da palavra “cunha” no Brasil o termo “pistolão”, que hoje caiu em desuso, quiçá pelo uso informal, mas cada vez mais comum, de “ficar pistola”, no sentido de ficar exaltado, furioso. Quem sabe, se a opinião pública, sabendo das cunhas, não ficará pistola.