O intérprete das normas jurídicas, adverte-se desde sempre, deve considerar que não há palavras inúteis nos enunciados normativos. Assim, se o Legislador acrescentou o adjetivo “notável” à expressão “saber jurídico”, o intérprete não pode desconsiderar aquele adjetivo, sob pena de não poder apreender, com uma correta intelecção, qual o objetivo da norma, no caso da norma constitucional que impõe como indispensáveis requisitos para a nomeação ao ministro do Supremo Tribunal Federal que, além de o indicado possuir mais de trinta e cinco aos e gozar de uma reputação ilibada (aliás, outro adjetivo imposto pela norma constitucional), deve também possuir um notável saber jurídico.

Note-se, pois, que não basta um saber no campo do Direito, mas esse saber deve ser qualificado, qualificadíssimo, na medida em que a norma constitucional exige que  se tenha um saber jurídico notável.  Mas o que é notável nesse contexto?

Dizem os bons dicionários que “notável” é aquilo que é digno de nota, atenção ou reparo, digno de apreço, louvor, extraordinário, revelando-se como tal.

Pois bem, se a norma constitucional falasse apenas de um saber, poderíamos considerar atendido o requisito qualquer que fosse o objeto desse saber. Mas a norma exige que o escolhido tenha um saber jurídico, ou seja, que se trate de um conhecimento especializado no campo da ciência e da técnica do Direito, o que evidentemente pressupõe uma formação oficial em curso jurídico. A expressão “saber jurídico” equivale assim à formação oficial no curso de Direito, com a obtenção do diploma e de sua certificação perante os órgãos oficiais. Um juiz, um promotor, um advogado público, um advogado particular, todos contam com uma formação oficial em Direito, mas isso não é suficiente a que se possa dizer tenham um notável saber jurídico. Têm sim um saber jurídico, que pode em muitos casos demonstrar-se um insuficiente saber.

Tivesse o Legislador constitucional parado aí, em “saber jurídico”, e poderíamos dizer que o único requisito para que uma legítima  indicação ao STF seria o indicado possuir um diploma oficial, confirmando a formação jurídica. Mas o Legislador constitucional é mais exigente.

Com efeito, o saber jurídico há que ser notável, e isso conduz obrigatoriamente o intérprete ao sentido geral do adjetivo “notável”, àqueles sentidos, pois, que os bons dicionaristas registram. De modo que é indisputável a conclusão de que o escolhido deva ter um conhecimento jurídico consistente, a rigor consistentíssimo, materializado em obras (livros, artigos, ensaios) e que possa ter sido analisado como tal pela comunidade jurídica autorizada, ou seja, pelos especialistas na área de atuação do indicado. Assim, se o indicado é especializado em Direito Civil, seus escritos devem contar com a apreciação dos juristas dessa área do Direito, e isso exige tempo, que é aquele naturalmente consumido entre a produção das obras e sua análise por um hábil público especializado. O mesmo vale evidentemente para todas as outras áreas do Direito.

Entre saber, saber Direito e ter um notável saber jurídico vai uma distância tão extensa que se pode dizer que seriam poucos, pouquíssimos aqueles que poderiam ser indicados ao cargo de ministro do STF, fosse atendido o rigor que o enunciado normativo exige. Haveria mesmo dificuldade na indicação em certos momentos, diante da ausência de nomes que pudessem atender ao requisito do “notável saber jurídico”, se interpretado esse conceito como o dever ser.

Poder-se-ia argumentar que o poder não convive bem com o vazio, e que por isso se poderia desconsiderar em alguns momentos o “notável”, para ficarmos apenas com o “saber jurídico”, com o que se aumentaria o número dos possíveis escolhidos.

Mas então não poderíamos avançar ainda mais,  e assim nos contentarmos apenas com um “saber”, não necessariamente jurídico? Vale lembrar o que escreveu EDGARD DE MOURA BITTENCOURT em sua obra, hoje infelizmente pouco lembrada, “O Juiz”, quando, em tom de gracejo, dizia que o juiz deve necessariamente possuir bom senso, mas que, se além do bem senso, souber um pouco do Direito, aí a coisa melhora.

 

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