O nosso Supremo Tribunal Federal foi moldado a partir da Suprema Corte dos Estados Unidos. Dom Pedro II tinha verdadeira adoração pelo modelo norte-americano de justiça e o queria ver implantado em nosso País. A proclamação da República não impediu que aquela ideia vingasse, e assim é que o Supremo Tribunal Federal, criado em 1891, começou a atuar efetivamente no ano seguinte, iniciando-se ali uma história que já vai longa e marcada por grandes julgamentos, como registra EDGARD COSTA, ministro aposentado do STF, em sua obra “Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal”.
Mas, andando o tempo, o nosso Supremo Tribunal Federal acabou por adotar uma identidade própria, algo distante da de seu modelo norte-americano. Ao contrário do que se poderia lobrigar, o STF, com maior frequência sobretudo em anos mais recentes, passou a operar mais intensamente com os princípios jurídicos, deles buscando extrair um conteúdo mais ajustado à realidade, cada vez mais complexa. Muitos desses princípios, aliás, sequer estão previstos no texto da Constituição de 1988, e a conclusão de que existam é também uma interpretação fundada em princípios, como o da proporcionalidade.
Ao contrário do que ocorre hoje com a Corte Suprema dos Estados Unidos, que, conquanto tenha à disposição uma Constituição toda fundada em princípios, tem optado por um papel mais tímido de intérprete das normas constitucionais, o que tem refletido nos demais tribunais americanos. É o que comprova o julgamento feito pelo Tribunal do Colorado, que acaba de decidir que o ex-presidente Trump, embora diretamente envolvido nos atos que se caracterizaram coo atentado com o regime democrático norte-americano, como aquele Tribunal reconhece, poderá concorrer nas próximas eleições presidenciais. Entendeu o Tribunal do Colorado que como a Constituição norte-americana nada diz sobre o envolvimento de um ex-presidente em atos como aqueles, a omissão constitucional é de ser interpretada em favor do direito a concorrer ao pleito, dentro, pois, de uma tradição do direito norte-americano que é no sentido de não tolerar que o Poder Judiciário interferira além de um determinado limite sobre as escolhas que o eleitorado possa fazer livremente.
Aqui, ao contrário, desde há muito entende a jurisprudência que o Poder Judiciário brasileiro pode e dever interferir nessa matéria, como é exemplo a “Lei Ficha-Limpa”, ainda que atenuada ao longo do tempo. Outros exemplos recentes demonstram essa clara tendência.
Poder-se-ia supor que a situação seria exatamente inversa: um país, como os Estados Unidos, com uma Constituição fundada em princípios, com uma Corte Suprema que, no sistema da “common law”, lida essencialmente com esses princípios, deveria ter ao longo do tempo alimentado uma atuação mais livre, e menos literal, enquanto o Brasil, adotando um sistema diverso, o da “civil law”, teria naturalmente um Supremo Tribunal Federal mais circunscrito a uma intepretação menos flexível das normas constitucionais. E o fato é que, até alguns anos atrás, era exatamente o que ocorria, ou seja, a Corte Suprema dos Estados Unidos atuando mais livremente na interpretação das normas constitucionais, fazendo o papel de um legislador, enquanto o nosso Supremo Tribunal tinha um papel menos ativo. Mas o que explica essa mudança?
São várias as circunstâncias que podem ter determinado essa mudança de papel, e uma delas está no fato de o nosso Supremo Tribunal Federal ter criado uma fisionomia própria, depois de se desprender da amarra que o governo militar lhe impusera e que persistira muito tempos depois da abertura democrática ocorrida em 1985. Havia um rescaldo que apenas o tempo poderia eliminar.
Outra relevante circunstância está em características próprias que moldaram a nossa sociedade, com efeitos que se projetam sobre como vemos a nossa democracia e o modelo de nosso Estado de Direito, que, enfrentando resistências que o Liberalismo impõe, consegue, ainda que a duras penas, impor como um Estado Social, como demonstra o nosso sistema único de saúde, de acesso gratuito a todos, bem diferente do sistema de saúde nos Estados Unidos.
Obviamente que há outras circunstâncias que atuaram e que refletem no papel que o Supremo Tribunal Federal assumiu como protagonista em nossa sociedade. Há ainda por se fazer um estudo desse interessante tema, a desafiar historiadores, cientistas políticas e constitucionalistas.