Muitos processualistas acreditavam que no conceito de “existência” de uma relação jurídica estava também o “modo de ser” dessa mesma relação jurídica, de maneira que não havia necessidade de o Legislador ser tão preciso a ponto de prever no enunciado normativo da ação declaratória que se a poderia utilizar, seja para declarar a existência (ou inexistência) de uma determinada relação jurídica, seja igualmente para declarar a existência (ou inexistência) de um modo de ser dessa mesma relação jurídica.

Para além de não se darem conta de que a Filosofia geral, sobretudo com HEIDEGGER, já havia desimplicado o conceito de existência, separando-o dos conceitos de  ser e de seu modo de ser, havia uma questão de interesse exclusivamente do processo civil, porque em muitas situações da vida prática o que interessa à parte é ver declarada no processo civil não a existência ou inexistência de uma relação jurídica, mas exatamente seu modo de ser.

Como frequentemente acontece, vem do Direito Material, sobretudo do Direito Civil, aquilo que leva o Legislador do processo civil a perceber a necessidade de aperfeiçoar as normas de um código de processo civil, como ocorreu com o CPC/2015 ao fixar, com maior precisão, o objeto da ação declaratória, cuidando prever no artigo 19 que o interesse do autor pode limitar-se à declaração “do modo de ser de uma relação jurídica”, com o que os processualistas renderam-se àquilo que a Filosofia, em especial o Existencialismo Alemão, descortinara, no sentido de que existência e o modo de ser não se confundem.

Mas o aperfeiçoamento da norma do CPC/2015 não se deve propriamente aos ensinamentos heideggerianos, mas a experiências que são mais modestas e que vêm mesmo do Direito Civil, como se dá com o instituto da “supressio”, em cuja raiz está o fator tempo moldando de forma significativa o modo de ser de uma determinada relação jurídica, fazendo surgir um direito, enquanto um outro direito deixa de existir exatamente  pelo fato de seu titular não o ter exercido durante considerável tempo. A coincidência está em em que esse instituto – o da “supressio” – foi engendrado pela jurisprudência alemã, ou seja, no mesmo país de HEIDEGGER.

Para o distinguir de institutos algo similares, como os da caducidade, decadência, prescrição, nos quais o fator tempo está presente, os civilistas cuidam observar que o fator tempo no caso da “supressio” possui uma ligação próxima e especial com o princípio da boa-fé, o que nos conduz, portanto, ao modo de ser de uma determinada relação jurídica, em que a a forma como essa relação desenvolveu em um considerável espaço de tempo a individualizou-a de tal modo (o modo de seu ser), fazenda gerar expectativas de certos comportamentos que a boa-fé legitima. Mas como essas expectativas não foram satisfeitas, o modo de ser da relação jurídico-material modificou-se a ponto de a parte necessitar da ação declaratória para que o juiz reconheça esse modo de ser surgido de expectativas não satisfeitas em função do tempo. E como falamos em “expectativas”, outra coincidência surge, porque devemos nos lembrar de um outro alemão, NIKLAS LUHMANN.

Assim, a ação declaratória, cuja finalidade é, como estabelece o artigo 19 do nosso CPC/2015, a de declarar o modo de ser de uma determinada relação jurídica, conclui-se que se trata da ação adequada para que a parte peça ao juiz que reconheça a existência de um direito surgido pela “supressio”, com as consequências jurídicas daí decorrentes.

 

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