Em 1974, ROLAND BARTHES, refletindo acerca do caminho que vai da fala à escrita, observava: “Nós falamos, gravam o que dizemos, secretárias diligentes escutam nossas falas, expurgam-nas, transcrevem-nas, pontuam-nas, tiram delas um primeiro script que nos é submetido para que o limpemos de novo antes de entregá-lo à publicação, ao livro, à eternidade. Não é a ‘toalete do defunto que acabamos de acompanhar? Embalsamos nossa palavra, como uma múmia, para fazê-la eterna. Porque é mesmo preciso durar um pouco mais do que a própria voz; é preciso, pela comédia da escrita, inscrever-se em algum lugar”.
Mas e se fizermos o caminho inverso: o da escrita à palavra, refletindo, pois, sobre o papel (e o poder) que a palavra falada tem no campo do Direito? É o que faremos aqui, brevemente.
Muitos advogados creem que a sustentação oral é uma missão inglória e inútil que os clientes lhes confiam, porque a experiência demonstra que são raros os casos em que a sustentação oral feita perante um tribunal consegue fazer mudar a posição dos juízes, que, em tendo elabora seu voto antes da sustentação oral, mantêm sua posição, ainda que estejam a ouvir uma boa sustentação oral. Mas há aí algo que não se pode desconsiderar: o poder da palavra falada, que, empregada com uma correta técnica, pode fazer milagres, como fazia o Padre Vieira, exatamente com o emprego da palavra falada, cujo poder, no campo do Direito, é ainda hoje subestimado, como se no Direito apenas a palavra escrita é que importa.
Muitas vezes o problema não está no público que ouve, mas naquele que fala sem brilho, sem espírito e, assim, sem convencer, porque não coloca alma naquilo que fala, e o resultado não pode ser outro senão que o insucesso. É o que ocorre em muitas situações do dia a dia, em que alguns advogados não conseguem persuadir os juízes, porque falam como escrevem, como se estivem a “embalsamar” a palavra falada.
A dificuldade em lidar com as palavras, enfatiza BARTHES, está no fato de que elas, antes de serem escritas ou faladas, possuem significados, e está exatamente aí a armadilha que é colocada a quem quer se comunicar pela palavra falada, cujo significado é ainda mais demarcado do que se dá com a palavra escrita. A capacidade de persuadir está precisamente em fazer com que o ouvinte receba a palavra falada com um significado novo, algo que se está a revelar ao ouvinte tão só no momento em que a comunicação verbal ocorre.
Assim podemos compreender o que BARTHES quer dizer quando observa que a fala é sempre tática, mas que ao se transformar em palavra escrita, permite que nós escondamos essa tática de quem nos lê. Mas isso não pode ocorrer quando se trata da palavra falada, o que a torna ainda sobremaneira perigosa, em especial para quem fala: “a palavra é perigosa porque é imediata e não volta atrás”, sublinha BARTHES.
A suposta ineficácia no campo do Direito da palavra falada não está nela, mas nessa tática, mal empregada em muitíssimas situações.