A rigor não se poderia dizer que o conteúdo de um princípio jurídico terá se modificado ao longo do tempo, porque em sendo o princípio jurídico um mandamento de otimização como diz ROBERT ALEXY, enfatizando o ilustre juspublicista que seu conteúdo é o resultado sobretudo de ponderações que se realizam em face de princípios contrapostos, daí se deveria concluir que  um princípio jurídico não poderia ter seu conteúdo modificado ao longo do tempo, visto que seu conteúdo nunca pode ser previamente definido e, é por natureza, fluído e cambiante conforme as circunstâncias da realidade material subjacente.

Mas uma parte do que forma o conteúdo de um princípio é seu núcleo essencial, de maneira que, desconsiderada ou suprimida essa parte, ou mesmo modificada além de um certo grau, pode-se dizer que não há mais princípio, ou  não ao menos  aquele que existia antes, até o momento em que foi substituído por outro.

Pois bem, consideremos o que está a suceder agora com o princípio do devido processo legal, acolhido expressamente em nossa Constituição de 1988. Tínhamos a certeza de que não poderia haver uma lesão a um suposto direito subjetivo que pudesse ser excluída da apreciação judicial, em especial no campo das relações privadas, em que há, e dever haver um equilíbrio entre as posições em conflito, de maneira que o Estado, considerando precisamente essa relação de igualdade, e a incerteza acerca de quem possua razão no litígio, reconhece o direito de ação, a surgir até mesmo antes de o litígio surgir.

Ocorre, contudo, que o Supremo Tribunal Federal vem de declarar a constitucionalidade da lei federal 9.514/1997, o que, na prática, significa reconhecer às instituições financeira o direito de promoverem execução extrajudicial do imóvel objeto do contrato de compromisso de compra e venda sob o regime da alienação fiduciária, podendo assim promoverem leilão público para a alienação do imóvel, sem exigir das instituições financeiras, portanto, valham-se do processo judicial. Algo como conceder às instituições financeiras um poder que nem mesmo o Poder Público dispõe, porquanto os entes públicos submetem-se obrigatoriamente à necessidade do processo judicial para a execução de seus créditos.

E se a declaração de constitucionalidade da lei 9.514/1997 faz reconhecer o direito das instituições financeiras, a compasso faz suprimir o direito do adquirente do imóvel a se contrapor à execução extrajudicial, com o que se modificou o conteúdo do princípio do devido processo legal, dele extraindo uma importante consequência, que é o de excluir do alcance da tutela jurisdicional a análise da execução extrajudicial, remanescendo ao adquirente do imóvel, é certo, a discussão sobre temas que envolvem o contrato, mas uma discussão que certamente será tardia, na medida em que, diante dos momentosos efeitos que são imanentes à execução extrajudicial, sobretudo a venda do bem objeto do contrato, e considerando quão serão imediatos esses efeitos, a ação promovida pelo adquirente, contando com um longo trâmite,  encontrará um importante obstáculo, que radica no existir uma situação já consolidada pela venda do imóvel realizada na execução extrajudicial.

Não há dúvida, pois, que o princípio do devido processo legal sofreu uma significativa alteração em seu conteúdo. A questão é saber se se o modificou dentro de justos limites ou não, em uma análise que passa necessariamente pela aplicação de um outro princípio constitucional, que é o princípio da proporcionalidade, em que se deve considerar como objeto de análise o meio, a finalidade e a ponderação entre as vantagens e desvantagens que decorrem de uma decisão no campo do controle da constitucionalidade.

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