Foi ROLAND BARTHES quem estabeleceu, com mão de mestre, a distinção entre “escrevente” e “escritor”, ao dizer que “O escrevente é aquele que acredita que a linguagem é um mero instrumento do pensamento, que vê na linguagem apenas uma ferramenta”. Já para o escritor – afirma BARTHES – “a linguagem é um lugar dialético onde as coisas se fazem e se desfazem, onde ele imerge e desfaz a sua própria subjetividade” (O Grão da Voz).
Podemos nos valer dessa precisa e preciosa observação de BARTHES para compreender a distinção entre aquele que informa e aquele que comunica, pensando na importância que a expressão verbal tem nas sustentações orais realizadas perante tribunais. Ao contrário do que muitos pensam, são duas as linguagens com as quais o Direito opera: a escrita e a falada, e em alguns contextos, como nos tribunais, uma é tão importante quanto a outra, de maneira que um inadequado uso da linguagem verbal na sustentação oral pode, sim, enfraquecer aquilo que a linguagem escrita havia permitido alcançar.
Donde se pode fixar uma distinção nos moldes de BARTHES entre o “informador”, que é aquele que utiliza a expressão verbal apenas como uma ferramenta de exposição de suas ideias em um julgamento judicial, e o “comunicador”, que é aquele emprega a linguagem falada como o lugar apropriado para que o ouvinte (o juiz) encantado com a exposição, deixe de perceber a presença de quem fala, para ficar atento ao que se fala, ou como diria BARTHES, o comunicador consegue desfazer a sua própria subjetividade, para estabelecer um “lugar dialético onde as coisas se fazem e se desfazem”.
Pois que o poder daquele que comunica, e não apenas informa, está, como sucede a todo bom narrador, em dominar a técnica de conduzir ao espectador para um universo em que aquilo que o comunicador fala não é a única verdade possível, colocando ao espectador a possibilidade de ele escolher. E quando esse cenário está criado – o da escolha entre duas ou mais posições possíveis -, o comunicador alcançou seu objetivo, ainda que o resultado do julgamento possa não ser favorável a seu cliente.
Quem já assistiu a sessões de julgamento, terá percebido como muitas sustentações são maçantes porque o advogado esteve todo o tempo de sua fala apenas a informar, como se aos juízes aquilo que ele fala (ou informa) fosse novo. Informar, obviamente, pressupõe que aquilo que se informa não seja conhecido do ouvinte, precisamente o contrário do que se dá em julgamento realizado em tribunal, no qual os juízes estudaram o caso e sabem dele tão bem quanto o advogado.
Diversa é a situação (e diverso o resultado) quando o advogado, consciente da importância do ato que envolve a sustentação oral, sabendo que, em muitas vezes, o convencimento que até ali não pudera alcançar no processo surge exatamente no momento de sua sustentação oral, cria, com a linguagem falada, um ambiente algo místico, em que desaparece a sua pessoa (a do comunicador), para em seu lugar surgirem as ideias, em uma clara exposição que dá ao ouvinte a possibilidade de escolher, dentro de um cenário a que foi conduzido pelo comunicador, sem que o espectador se desse conta disso.
Tanto quanto sucede com a linguagem escrita, poucos são os que realmente dominam a técnica da expressão verbal, e há um equívoco em se considerar que o “comunicador” nasce com o dom da expressão verbal. Ledo engano. Técnicas aprendem-se, e assim se dá com a técnica da expressão verbal, que pode ser aprendida e aperfeiçoada, como explica o ator e professor de expressão, TONY CORREIA, que ficou famoso por atuações em conhecidas novelas, como “As Locomotivas”, exibida originariamente na Globo em 1977.
Empregando todo o conhecimento que a dramaturgia em novelas e teatro lhe propiciou durante longos anos, no convívio com grandes atores brasileiros, TONY CORREIA tem agora se especializado no estudo das particularidades que envolvem o ato processual de sustentação oral perante tribunais, dedicando-se a elaborar técnicas que podem fazer com que o advogado que faça uma sustentação oral perante um tribunal consiga “comunicar” aos juízes suas ideais sobre o caso em julgamento, e não apenas a eles, aos juízes, informar algo que eles próprios já sabem.
E o que particulariza o trabalho que TONY CORREIA vem desenvolvendo está exatamente na rica experiência que ele, como um grande ator, pôde extrair de sua vida na televisão e teatro, aplicando seu conhecimento em um terreno que a princípio poderia ser considerado como distinto do teatro, como é o mundo do Direito e dos julgamentos em tribunais, em que a dramatização é vista como algo negativo. Mas se deve lembrar que o verbo “dramatizar” possui vários significados e dentre eles está o de transportar para a linguagem (no caso a jurídica) a maior expressividade possível, o que caracteriza a boa comunicação, o que vale obviamente para o campo do Direito.
Falamos no início desse texto em BARTHES e devemos a ele uma grande parte do que forma hoje o núcleo da Semiologia. Sua obra “O Grau Zero da Escrita” tornou-se um clássico e é de leitura obrigatória para quem quer compreender com segurança os principais elementos da Semiologia. Pois bem, até hoje BARTHES é um desconhecido no campo do Direito, porque os juristas veem com desconfiança autores que são de outras áreas, e está aí como explicada a pobreza semiológica com a qual o Direito convive ainda hoje, malgrado a importância da linguagem, o que aliás aproxima o Direito à Literatura. Quando profissionais de outras áreas, como da televisão e do teatro, vêm nos falar sobre algo que, a nós, operadores do Direito interessa, devemos prestar toda a atenção, porque no campo das Ciências em geral boa parte do conhecimento vem de fora. Basta lembrar KANT e de sua distinção entre Direito e Moral.