Quando a Fotografia já tem atrás de si uma longa história de mais de cento e oitenta anos, e objeto de preciosas análises feitas em obras que se tornaram clássicas, como as de ROLAND BARTHES e SUSAN SONTAG, é chegada a hora de examinar a Fotografia sob a perspectiva do Existencialismo Francês, sobretudo a partir da visão de SARTRE exposta nas páginas iniciais de sua obra “O Ser o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica”, em que, tratando da ideia de fenômeno e buscando demonstrar como a Filosofia conseguira parcialmente desvencilhar-se do escolho que fora colocado por Kant e por sua ideia dualista de “noumeno/fenômeno”: “O pensamento moderno realizou progresso considerável ao reduzir o existente à série de aparições que o manifestam. Visava-se com isso suprimir certo número de dualismos que embaraçavam a filosofia e substituí-los pelo monismo do fenômeno” – escreveu SARTRE.
É certo, como admite SARTRE, que em lugar de dizer-se que o dualismo de KANT fora deixado de lado, mais justo seria reconhecer que surgira um novo dualismo: o do finito e o do infinito. É nesse contexto, pois, está o nosso propósito de analisar como a Fotografia pode se beneficiar de algumas das ideias do Existencialismo Francês, tanto quanto este pode utilizar-se da Fotografia para demonstrar alguns acertos a que chegou.
Comecemos pela observação de SARTRE no sentido de que as aparições que manifestam o existente não são interiores nem exteriores: “equivalem-se entre si, remetem todas as outras aparições e nenhuma é privilegiada. A força, por exemplo, não é um conatus metafísico e de espécie desconhecida que se disfarçasse detrás de seus efeitos (…); é o conjunto desses efeitos”. Apliquemos essa importante observação à Fotografia, e podemos concluir que o que se revela a quem vê uma foto é sempre o conjunto de tudo o que está atrás da foto, surgindo assim o fenômeno, materializado no “aparecer”. A foto, com efeito, revela o seu ser, e é descritível como tal.
Mas então se pode perguntar: e o referente, onde está o referente em uma fotografia? Ele compõe a série de aparições que se revelam como o fenômeno do ser da Fotografia.
Utilizemo-nos aqui do mesmo exemplo que SARTRE, baseando-se diretamente em HUSSERL, usou para demonstrar como a consciência opera em face do fenômeno. Diz SARTRE: “(…) Uma mesa não está na consciência, sequer a título de representação. Uma mesa está no espaço, junto à janela etc. A existência da mesa, de fato, é um centro de opacidade para a consciência; seria necessário um processo infinito para inventariar o conteúdo total de uma coisa. (…). Não basta, decerto, para que eu posa afirmar que esta mesa existe em si – mas sim que ela existe para mim”.
Consideremos, pois, uma fotografia na qual se retrate a imagem de uma mesa. Essa mesa pode ou não existir, ter existido, ou mesmo jamais existir. Mas para quem vê aquela foto a mesa existe em sua consciência. O ser – a mesa – objeto da fotografia revela-se como tal à nossa consciência, como um conjunto de aparições que envolvem a visão do fotógrafo, seu propósito, a técnica por ele utilizada, as circunstâncias em que a fotografia foi feita, todos esses elementos se manifestando em um todo que é o fenômeno, formando este o verdadeiro ser, porque se trata do único ser que, revelado, pode ser objeto de nossa consciência. Ainda que exista um “noumeno” (e o Existencialismo Francês não nega que possa existir), isso é de todo irrelevante ao nosso conhecimento, limitado por aquilo que aparece como fenômeno (o fenômeno do ser) à nossa consciência.
BARTHES contava, a título de brincadeira, que recebera em sua casa UMBERTO ECO e sua esposa para um jantar, e que em determinado momento UMBERTO ECO agachou-se para olhar debaixo de mesa, o que provocou a curiosidade de BARTHES, que lhe perguntou pelo que procurava: ECO respondeu que estava à procura do referente na Fotografia. Com base naquilo que nos ensina o Existencialismo Francês, se alguém nos indagar sobre o lugar em que podemos encontrar o referente em uma Fotografia, podemos agora responder que ele aparece ali, como tudo o mais. Basta que tomemos consciência de que ele está ali, formando o ser da imagem.