O Direito opera comumente com conceitos indeterminados, que são aqueles conceitos que surgem em breves e singelos enunciados normativos, formando uma norma cujo conteúdo deverá ser extraído em face das circunstâncias do caso em concreto. Lembremos, dentre os conceitos indeterminados por natureza, o de boa-fé. Mas é também indeterminado o conceito de “notável saber jurídico”, que é da tradição de nossas Constituições adotar como requisito indispensável a que alguém possa ser nomeado ministrado do Supremo Tribunal Federal. Ao tempo, pois, em que se realiza mais uma sabatina no Senado Federal com um indicado ao posto de ministro de nossa maior Corte de Justiça, é conveniente refletirmos sobre essa expressão – “notável saber jurídico”, e o que ela pode significar na atualidade.
É sobre esse tema, aliás, que o jornal “Folha de São Paulo”, edição de hoje, publica um artigo escrito pelo jurista e professor, JOSÉ EDUARDO FARIA, em que cuida trazer ao leitor alguns importantes contributos ao tema, reconhecendo que, conquanto se trate de uma expressão “algo imprecisa”, é possível defini-la, observando que se pode extrair seu conteúdo bastando se exija que o indicado “saiba pensar com método”. Mas o que significa “pensar com método”? Com o que, pois, o ilustre professor incidiu no mesmo grau de indeterminação que a norma constitucional.
O que é pensar, em termos jurídicos? É criar, engendrar ideias que, de algum modo, possam ser consideradas como um avanço no campo do Direito, seja como ciência, seja como direito positivo? Basta pensar, ou é necessário consubstanciar as ideias em um trabalho acadêmico ou em um livro? São tantas as possibilidades aí abertas que quiçá ficássemos melhor pensando apenas no enunciado da norma constitucional.
O mesmo se deve dizer quanto ao conceito de “método”. De que método cuidar-se-ia: o método jurídico, ou filosófico, ou método compósito? Aliás, tanto são os métodos jurídicos, quanto são as escolas que ao longo do tempo foram instituídas, bastando o leitor percorrer as páginas do grande livro de KARL LARENZ, “Metodologia da Ciência do Direito”, para se dar conta de que é impossível conceituar, com precisão, o que é um “método” no campo da ciência jurídica.
FARIA tenta avançar um pouco mais, burilando aquilo que lhe parece deva constituir o requisito indispensável a quem possa ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Diz ele que a pessoa indicada deve ter escrito teses, como o fizeram vários ministros do STF ao longo da história, reconhecidos como eméritos doutrinadores, e de fato tivemos alguns ministros cuja cultura jurídica e humanista a rigor emprestaram seu prestígio ao STF, casos, por exemplo, de NELSON HUNGRIA, CARLOS MAXIMILIANO, MOREIRA ALVES, que produziram obras de doutrina reconhecidamente importantes no campo do Direito. Mas também tivemos ministros que, se escreveram algum livro jurídico, não podem ser lembrados por tal, tão medíocre era a produção científica. E também tivemos quem nada escrevera, em nada advogara, e que a rigor nada escrevera, nem dentro nem fora do Direito, caso do ministro ATAULFO DE PAIVA, que, por sinal, foi imortal da Academia Brasileira de Letras, além de ministro do STF. (Mas devemos pensar que também tivemos um presidente da república que se notabilizara por ter escrito um curso elementar de Direito Constitucional, como se fosse possível o fazer, tantas são as exigências científicas que esse ramo do Direito comporta, como observou MARCELLO CAETANO, este sim um exímio constitucionalista.)
Que o nosso STF precisa de “nomes com preparo, história e independência”, não há duvidar. Mas antes precisamos saber dizer o que significam essas expressões, após o que, sim, poderemos pensar em definir o sentido daquilo que as nossas Constituições desde sempre exigem quando se referem a um notável saber jurídico como requisito para que o indicado possa vir a ser nomeado ministro do STF.
A propósito, não é algo incomum que os juristas, quando se veem a talas com a necessidade de explicarem o que significa um determinado conceito jurídico indeterminado, valham-se de expressões tão indeterminadas quanto aquilo que pretendiam exprimir.