Instituiu-se no Brasil um conjunto de metas a que estão submetidos todos os magistrados, os quais devem mensalmente atingir determinada produtividade, que é contada apenas pelo número de sentenças e votos que proferem. Não há nenhuma preocupação com a qualidade do trabalho jurisdicional, que assim não é aferida. Para o órgão que controla a meta, é de todo irrelevante que o magistrado tenha feito uma excelente sentença ou um primoroso voto. Vale apenas o número.
Trata-se de um fenômeno que é próprio da nossa sociedade pós-moderna, mas cujos efeitos não se limitam a medir, em números, o trabalho mensal do magistrado. Há um outro setor em que esse mesmo fenômeno está a ocorrer: o do mundo acadêmico.
ELOI FIGUEIREDO, professor catedrático em Portugal, analisa, em um artigo publicado hoje no jornal “Público”, de Portugal, como esse fenômeno está a incidir sobre a produção acadêmica no mundo inteiro, trazendo como exemplo um docente espanhol da área da química que, em apenas três meses de 2023, publicou 58 estudos, ou seja, um artigo científico a cada 37 horas.
Trata-se, portanto, do mesmo fenômeno a que estão submetidos os magistrados, que precisam publicar sentenças e votos cada vez com maior velocidade.
O professor ELOI FIGUEIREDO recorda-se da “Lei de Godhart”, segundo a qual quando uma medida torna-se um alvo, deixa de ser uma boa medida. Lei perfeitamente aplicada ao caso da produtividade imposta aos magistrados. A meta de produtividade passa a ser o valor maior a conquistar, e não a qualidade do que é entregue aos jurisdicionados e mesmo à sociedade. Rigorosamente submetido a essas metas, o magistrado deixa de pensar na qualidade do que escreve em suas sentenças e votos, porque lhe cabe preocupar-se tão somente com o número produzido.
“Os números não mentem, mas podem não dizer a verdade”, observa o professor português, extraindo da “Lei de Godhart” seu verdadeiro espírito. As planilhas refletem a verdade dos números de sentenças e votos, mas não a verdade quanto à qualidade que se espera do trabalho do magistrado.