O mundo está às voltas com a inteligência artificial, buscando entendê-la para lhe fixar limites. E a tarefa não é fácil pelo simples fato de se tratar de uma “inteligência”, e que não o deixa de ser ainda que produzida artificialmente. E é exatamente nesse ponto que começa a discussão.
Como devemos entender o conceito de “artificial” que qualifica esse tipo de inteligência. Supomos que ao qualificá-la de “artificial”, devemos dizer que a inteligência humana não é artificial, e estaria aí o aspecto que diferenciaria uma da outra. Sucede, contudo, que a inteligência artificial, como o caso do “ChatGPT”, utiliza-se da linguagem, ou seja, da mesma linguagem da qual a mente humana utiliza-se. Haveria, portanto, dois sistemas distintos – o da inteligência humana natural e o da inteligência artificial -, que operam, contudo, com uma mesma linguagem.
E se falamos em linguagem, falamos em signos, sentidos, significados, estruturas, e não se pode negar que há aí algo que é artificial, tão artificial quanto o é a construção de uma ciência como a do Direito, mesmo quando falamos de um Direito Natural, que de natural não tem nada. É que o Direito é formado exclusivamente pela linguagem, e como se dá em todo tipo de linguagem, a linguagem jurídica pode ser manipulada. Portanto, a linguagem do Direito é, ela própria em essência, tanto artificial quanto o é a linguagem que é empregada no “ChatGPT”.
Há quem sustente que o risco do uso da inteligência artificial está em uma intencional desinformação, porque o “ChatGPT” faz uso de linguagem que é própria ao gênero das fábulas, entendidas como o meio de expressão que opera com fatos puramente imaginados, que não ocorreram ou que não ocorreram exatamente como estão descritos em uma fábula. Mas o mundo do Direito é o mundo do “dever-ser”, e quando falamos em dever-se significa que não temos a certeza necessária de que o “ser”, aquilo que efetivamente ocorreu, corresponda em tudo ao que se pensou devesse ser. Daí o eterno conflito entre o “dever-ser” e o “ser” que está na base do Direito, e aliás sem o qual o Direito não teria mesmo razão para existir.
E quando se está no mundo do “dever-se”, está-se necessariamente nos domínios da linguagem, de modo que voltamos àqueles conceitos de signo, sentido, estrutura, e toda a artificialidade construída pelos linguistas, formalistas, estruturalistas, antropólogos, e também pelos juristas, que estes, operando apenas com a linguagem, estão o tempo todo no mundo do artificial. Basta ver como a concubina foi tratada no direito brasileiro durante muito tempo, quando se a considerava como uma “empregada doméstica especial”, assim contratada por seu companheiro, para demonstrar como o Direito opera sempre com o artificial.
Diz o filósofo e linguista, NOAM CHOMSKY que a inteligência artificial representa algo como a representação de “uma longa luta de classes”, na medida em que a inteligência artificial é utilizada para servir às grandes riquezas no exercício do poder. Mas não há aí “nada de novo debaixo do Sol”, como diz a Bíblia em Eclesiastes, porque a linguagem, ela própria, é uma forma de poder, como os juristas bem o sabem.