São diversos os tratamentos desenvolvidos cientificamente para o tratamento do Autismo, e os pacientes buscam a via judicial quando a operadora do plano de saúde não quer custear determinado tratamento, por o considerar experimental. É o caso do “M.I.G. – Método de Integração Global”.
Reproduzimos aqui voto por mim proferido em caso no qual se reconheceu o direito subjetivo do paciente a contar com esse tipo de tratamento, custeado pela operadora do plano de saúde.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. TUTELA PROVISÓRIA CONCEDIDA PARA O CUSTEIO DE TERAPIA MULTIDISCIPLINAR SOB O MÉTODO “M.I.G – MÉTODO DE INTEGRAÇÃO GLOBAL”.
ALEGAÇÃO DA AGRAVANTE DE QUE, EM SE TRATANDO DE UM MÉTODO AINDA EXPERIMENTAL, SEM COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA DE SUA EFICÁCIA, NÃO HÁ COBERTURA CONTRATUAL PARA SEU CUSTEIO.
TRATAMENTO QUE FOI CRIADO EM 2017 E QUE ADOTA UM SISTEMA COMPÓSITO DE AVALIAÇÃO, ABARCANDO A REEDUCAÇÃO E A REABILITAÇÃO CENTRADA NA FAMÍLIA COMO FORMA PARA LIDAR COM O RETARDO PSICOMOTOR SUPORTADO PELO PACIENTE COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
EXISTÊNCIA DE DIVERSOS MÉTODOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, O QUE CONDUZIU A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE – ANS A RECONHECER, EM PARECER TÉCNICO, QUE NÃO EXISTE UMA ÚNICA ABORDAGEM TERAPÊUTICA A SER PRIVILEGIADA E QUE POR ISSO DEVE PREVALECER A PRESCRIÇÃO DO MÉDICO DO PACIENTE QUANTO AO MÉTODO A SER ADOTADO NO CASO ESPECÍFICO.
CONCEITO DE “TRATAMENTO EXPERIMENTAL” QUE DEVE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO AS PECULIARIDADES QUE ENVOLVEM O TRATAMENTO DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, CONFORME ENFATIZADO PELA AGÊNCIA REGULADORA. MÉTODO QUE CONTA COM ENSAIO CIENTÍFICO QUE O CONSIDERA COMO MÉTODO EFICAZ.
REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC/2015 PREENCHIDOS. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CORRETAMENTE CONCEDIDA PELO JUÍZO DE ORIGEM.
DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, CESSADA A EFICÁCIA DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO FIXADOS.
RELATÓRIO
(…), inconformada com a r. decisão que, nos autos da ação de obrigação de fazer movida por (…)., representado pela genitora (…), concedeu tutela provisória para lhe impor “promover o imediato custeio do tratamento terapêutico a favor do autor, conforme prescrição firmada pelo médico psiquiatra (…)”, interpondo o presente recurso de agravo de instrumento argumenta que, em se tratando de um tratamento reconhecidamente experimental, não há cobertura contratual.
Atribuído o efeito suspensivo (fls. 683/686).
Recurso tempestivo, instruído de preparo e contraminutado.
A douta Procuradoria de Justiça oficiante manifestou-se pelo não provimento a este recurso, conforme r. parecer de folhas 799/807.
FUNDAMENTAÇÃO
O recurso não comporta provimento.
O método “M.I.G. – Método de Integral Global” foi criado em 2017 e, em linhas gerais, consiste em um processo sistemático de avaliação, psicoterapia, reeducação e reabilitação que, com foco na família, permite tratar do retardamento psicomotor de pacientes de Transtorno do Espectro Autista.
Já há estudos científicos que o consideram como um método eficaz, quando comparado a outros métodos. Em setembro de 2020, a pesquisadora, Carolina Souza Neves da Costa apresentou um ensaio em que analisa detalhadamente a estrutura desse método no tratamento de pacientes com Transtorno do Espectro Autista, ao observar que “A prática centrada na família, o treinamento de atividades de automanutenção, autocuidado, a facilitação da inclusão social e escolar, a variabilidade e enriquecimento ambiental, o programa domiciliar estruturado (Home Program e Schoo program), o uso de técnicas para reorganizar o processamento sensorial e os comportamentos motores e o ajuste no sistema neuro-musculoesquelético são elementos fundamentais na aplicação da metodologia MIG (…). Nenhuma outra metodologia ABA, DENVER ou TEACCH possui os procedimentos encontrados no Método de Integral Global”.
São vários, com efeito, os métodos que foram criados para o tratamento dessa patologia, e cada qual desses métodos caracteriza-se por seu foco de abordagem em determinados aspectos, como a família no caso do método “M.I.G”, o que conduziu a Agência Nacional de Saúde, em julho de 2021 a emitir um parecer técnico (de número 39), em que reconhece a existência desses diversos métodos e que por isso deve prevalecer a posição do médico do paciente quanto à prescrição daquele método que, levando em consideração as circunstâncias e peculiaridades do caso, deva prevalecer.
Portanto, segundo o parecer da agência reguladora, não há uma única abordagem terapêutica a ser privilegiada, e por isso deve prevalecer a prescrição do médico do paciente quanto ao método a ser adotado no caso específico.
Tratar-se-ia de um método ainda experimental, conforme obtempera a agravante? Há que se considerar que o conceito de “tratamento experimental” é de ser extraído levando em consideração as peculiaridades que envolvem o tratamento do Transtorno do Espectro Autista, conforme enfatizado pela agência reguladora ao reconhecer que existe uma série de métodos, cada qual alicerçado em um foco de abordagem.
É certo que a jurisprudência define como “tratamento experimental” aquele em que não há comprovação médico-científica de sua eficácia, mas é necessário ajustar esse conceito quando há certas peculiaridades que envolvem a patologia, como no caso do Transtorno do Espectro Autista, em que há diversos métodos e cuja eficácia é de ser aferida apenas em relação ao foco da abordagem utilizada em cada método, não se podendo, portanto, impor um rigor excessivo na definição nesse tipo de patologia do conceito de “tratamento experimental”, o que acabaria por glosar todos os métodos hoje existentes, se exigíssemos um rigor muito acentuado na conformação do conceito do que deve ou não ser considerado como um tratamento experimental.
Há patologias para as quais existem diversos tipos de tratamentos, todos eficazes à sua maneira, o que significa dizer que há em cada um desses tratamentos um limite de eficácia terapêutica. É o que ocorre em especial com o Transtorno do Espectro Autista – “TEA”. Para essa patologia, com efeito, há diversos métodos que se distinguem exatamente em função do foco da abordagem, e a sua eficácia está limitada exatamente a esse foco.
É certo que um determinado método poderá se revelar mais eficaz em um caso em concreto, mas essa mesma eficácia poderá não ser alcançada, se adotado o mesmo método a um outro paciente. É por isso que a Agência Nacional de Saúde emitiu o referido parecer técnico, observando que, em relação ao Transtorno do Espectro Autista, como há vários métodos e nenhum deles se pode considerar privilegiado, deve prevalecer a prescrição do médico que se deve presumir conheça melhor seu paciente, podendo assim lhe prescrever o melhor método, dentre aqueles existentes.
Enfatiza-se na jurisprudência que a operadora do plano de saúde não está obrigada a custear um tratamento experimental. Mas o que é um tratamento experimental: aquele que não tem comprovação científica de sua eficácia? Mas de qual eficácia estamos a tratar? De uma eficácia absoluta ou relativa? E qual o sentido a extrair desse conceito – de “tratamento experimental” -, quando se está a analisar se a tutela provisória de urgência deve ou não ser concedida. São esses aspectos que se tornam importantes no contexto deste recurso.
Também é de se considerar que, no terreno das tutelas provisórias de urgência, o requisito que o Legislador estabelece é o da probabilidade de que exista o direito subjetivo alegado, e não necessariamente que esse direito efetivamente exista, aspecto que foi bem valorado pelo juízo de origem ao conceder a tutela provisória de urgência, depois de identificar a presença de uma situação de risco atual e concreto a que a esfera jurídica do agravado estaria submetida, não pudesse contar com o tratamento segundo o método escolhido por seu médico.
Por meu voto, nega-se provimento a este agravo de instrumento para, assim, manter a eficácia da r. decisão agravada, cessando em consequência a tutela provisória de urgência que havia sido concedida neste recurso.
Como não foram fixados encargos de sucumbência na r. decisão agravada, aqui também não se os fixam.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR