Há alguns atrás era algo comum dizer-se aos juristas que não deveriam ficar presos ao objeto de sua ciência, senão que deveriam alargar seu horizonte, incorporando a seu conhecimento o que outras ciências lhes poderiam supeditar. Esse era um especial conselho que se dava aos juízes: que, para fazerem justiça, era-lhes necessário que estudassem o direito, mas que não ficassem limitados a ele.
Quiçá pela razão de que o conselho não tivera grande aceitação, o fato é que hoje quase não mais se fala sobre o tema. Mas talvez a verdadeira razão não esteja na resistência dos juristas e dos juízes, senão que naquilo que faltou lhes dizer: que o problema estava no próprio Direito.
Sim, no próprio Direito porque não tivera infelizmente o gênio como HEGEL a dizer que se deve estudar o Direito segundo um método que não pode se circunscrever ao estudo de suas próprias normas, senão que é indispensável desenvolver um método que estude filosoficamente o Direito. HEGEL, com efeito, ensinara aos filósofos que a Filosofia deveria possuir e possuía um método próprio a seu estudo: o método filosófico.
No caso do Direito, entretanto, toda a sua Filosofia concentrou-se no próprio Direito, o que, aliás, explica denominar-se de “Filosofia do Direito” a disciplina do Direito em que a Filosofia estaria supostamente. Supostamente sim, porque de Filosofia como método filosófico a Filosofia do Direito não fala e não estuda.
Seu objeto é o estudo das normas, de sua validez, vigência e eficaz, de como se constroem enunciados, como eles se devem interpretar. Sempre a norma como objeto do estudo “filosófico” do Direito. Mas filosofia, filosofia, esta nada. E isso porque o Direito possui um só método: o jurídico. Não existe, portanto, um método filosófico que deva ser empregado pelos juristas e pelos juízes para estudarem o Direito.
Mas a quem interessa que o Direito não possua um método filosófico? Aqueles que não querem que os juristas e o juízes pensem para além do Direito, porque pensar para além do Direito é operar com algo que o Direito não controla, e isso parece inadmissível ao espírito do Direito, que nasceu e foi construído com base na ideia de previsibilidade. Basta ver o que sucede quando os juristas e juízes precisam trabalhar com os conceitos indeterminados, como o conceito de boa-fé, e o elevado grau de dificuldade com que juristas e juízes lidam com esse tipo de situação. E a explicação é simples: quando operam com conceitos indeterminados estão fora dos domínios do Direito, e o establishment não vê com bom olhos juristas e, sobretudo os juízes que querem operar para além do Direito. Chama-nos muitas vezes de “juízes comunistas”, “juízes do direito livre”.
O Direito jamais possuiu, e dificilmente possuirá um método filosófico que possa ser empregado para que se estude o Direito como ele próprio é, e não como suas normas são. Tivéssemos tido a sorte de um HEGEL interessar-se pelo Direito, e certamente a situação seria outra. Ou talvez não, porque é mais fácil demonstrar que a Filosofia deve possuir um método filosófico, do que dizer que o Direito o deva ter, porque o Direito, vale lembrar, opera diretamente com o Poder, e quando o Poder está presente, ele normalmente não deixa espaço para aquilo sobre o que ele não pode controlar.