Relacionarei três episódios recentes, com base nos quais pretendo demonstrar qual é o preço que se paga quando se quer impor por lei uma censura prévia, tema caro a um Estado de Direito que se quer Democrático.

O primeiro fato ocorreu nos Estados Unidos, mais precisamente no Estado da Flórida, em que uma professora de escola foi obrigada a renunciar a seu cargo depois de ter exibido a seus alunos, com idade entre onze e doze anos, imagens de uma escultura famosa da autoria de Michelangelo Buonarroti ededicada ao herói bíblico. A alegação dos críticos foi a de que se tratava de uma escultura que retratava a nudez.

O segundo episódio deu-se na Inglaterra, na qual uma editora, assumindo o poder de censor, resolveu remover trechos de obras de Agatha Christie, por considerar que são trechos com conteúdo “racista ou ofensivo”.

O terceiro e último episódio aconteceu na Holanda. Um tribunal rejeitou o pedido feito por um conhecido escritor daquele país e que alegava ter sido retratado de maneira algo inadequada (“como uma estrela pornográfica”) em um longa-metragem. O Tribunal holandês, fazendo um juízo de ponderação, considerou como preponderante o fato de o escritor ter assinado o contrato para a produção do filme, o que faz presumir tivesse concordado com seu conteúdo.

E precisamente esse aspecto que, no contexto dos três episódios referidos, tem acentuada importância na discussão que ora se iniciou no Supremo Tribunal Federal acerca dos controles de censura prévia que se devem (ou não se devem) impor às publicações em rede sociais. Refiro-me à  importância do princípio constitucional da proporcionalidade.

Vemos por meio dos dois primeiros episódios os riscos de se delegar a alguém, sobretudo ao Estado, o poder de fazer uma censura prévia sobre um conteúdo que ele, o Estado ou um particular, considera previamente “nocivo”. No episódio da professora norte-americana, deve-se perguntar se a nudez é ou não pornografia, e no episódio dos livros da consagrada escritora de livros policiais se é dado a alguém o poder de interferir na liberdade do autor, sobretudo quando essa liberdade foi exercida noutro tempo e em face doutra realidade.

O episódio do tribunal holandês demonstra a importância do controle jurisdicional implementado por meio do princípio da proporcionalidade, em que se deve examinar uma série de coisas, dentre as quais se a medida de censura é ou não proporcional. Aliás, o princípio da proporcionalidade ganhou densidade científica na Alemanha precisamente em um caso que envolvia a liberdade artística (o famoso caso “Lüth).

Estabelecer por meio de uma lei um mecanismo de censura prévia, concedendo ao Estado o poder de dizer se um determinado conteúdo derivado da liberdade de expressão é ou não nocivo, fará com que tenhamos mais e mais casos como os da professora e de livros indevidamente censurados. Não é certamente o que queremos, se pensamos em manter um Estado Democrático de Direito.

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