Marchas e contramarchas marcam a história do direito de ação, nascido sob a influência do Direito Civil, o que justificava se considerasse o direito de ação como um direito acessório do Direito Civil, um direito, pois, que somente existia se a razão estivesse com o autor. O Direito Processual Civil era então chamado como o “Direito Adjetivo”.
Descortinada a autonomia da relação jurídico-processual, quando se percebeu, sobretudo por meio da ação declaratória negativa, que o direito de ação poderia existir, e efetivamente existia mesmo quando o autor não tinha razão, surgiram as teorias alicerçadas na ideia de autonomia da relação jurídico-processual, muitas das quais, contudo, não conseguiram se desvencilhar totalmente do influxo causado pelo direito material, como sucedeu com as teorias concretistas, como foram chamadas as teorias que defendiam que o direito de ação existia como um direito “relativamente” autônomo, na medida em que sua efetiva existência dependia do resultado favorável do processo. O processualista Chiovenda era um dos expoentes entre os defensores das teorias concretistas, como se pode ver de seu histórico ensaio “A Ação no Sistema dos Direitos” expôs suas ideias
Então Liebman, outro processualista italiano, conseguiu avançar, desenvolvendo a ideia da autonomia da relação jurídico-processual surgida na Alemanha no bojo da conhecida polêmica travada entre Windscheid e Muther, ao reconhecer e sistematizar a presença de certos requisitos imanentes ao direito de ação, e apenas a esse direito: as condições da ação, sem as quais o direito de ação não existe. Foi esse o primeiro e mais importante passo para se considerar a essência do direito de ação no plano processual.
Apareceu então Couture, o genial Couture, com a percepção de que o direito de ação emanava do direito de petição, este um direito de matriz constitucional. O direito de ação, segundo ilustre processualista uruguaio, era um direito de acionar o Estado por meio do Poder Judiciário, e o autor da demanda exercia assim um direito algo semelhante ao direito que qualquer cidadão possui de peticionar ao Estado acerca de um suposto direito, ou ao menos de um interesse. É certo que, andando o tempo, Couture tratou de esclarecer que se devia considerar como um “artificialismo” a ideia de que o direito de ação emanava da Constituição, ao destacar que o direito de ação nascera quando a ordem jurídica havia proibido o cidadão de que servisse de sua própria força para impor um direito, obrigando-o a buscar o Estado. Sublinhava Couture que, dizer que o direito de ação constitui um direito de petição é um direito muito diverso da ideia de que a justiça seja o direito de petição. Essa ressalva, contudo, chegava um pouco tarde, como veremos.
Essa aproximação do direito de ação ao direito constitucional de petição criou, pois, um novo problema, na medida em que se passou a considerar o direito de ação como um direito sagrado, intocável e irrevogável, como se ninguém pudesse renunciar a esse direito, ainda que o direito material envolvido fosse puramente de natureza privada. De nada adiantava Couture ter destacado a distinção entre o direito de ação no plano processual e o direito de petição no plano constitucional, ao fixar a distinção entre um e outro desses direitos quanto à manifestação da renuncia a seu exercício. Ficara aquela ideia inicial: a de que o direito de ação é sagrado, intocável e irrevogável, como resultado de uma leitura equivocada do que pensava Couture.
E é por isso que causou surpresa a muitos o fato de uma empresa brasileira, ora em regime de recuperação judicial, ao firmar acordo com seus credores, ter feito constar como cláusula contratual a obrigação de o credor não demandar. Como suprimir de alguém o direito de demandar, quando se trata de um direito constitucional?
O direito de ação é um direito constitucional e abstratamente considerado, mas que encontra no plano do direito processual e também no campo do direito material limitações, o que justifica que não se tenha o direito de ação no plano processual em muitas situações que a Legislação prevê, ou ainda que se possa renunciar a esse direito, seja no curso de um processo (CPC/2015, artigo 487, inciso III, alínea “c”), seja antes mesmo de o processo existir. Esse direito – o de renunciar ao direito de ação – é um direito legítimo se a pretensão subjacente diz respeito, no plano do direito material, a um direito patrimonial e transmissível e, assim, renunciável.
Portanto, em se tratando de um contrato que versa sobre direitos patrimoniais, o direito de ação pode ser, tanto quanto o são os direitos patrimoniais, objeto de renúncia, se assim é a vontade de seu titular.