O genial escritor, KAFKA, falecido em junho de 1924 aos quarenta anos, deixou um diário em que cuidou registrar suas finas e percucientes sensações do que lhe corria à volta. Muitas dessas sensações decorriam de episódios tão absurdos da vida, que poderiam ser chamados de “kafkianos”, como o que consta de um registro feito por ele em 1921: “Um entendido, um especialista, um homem que sabe aquilo que lhe coube por sorte; uma ciência, é certo, que não podemos comunicar, porém que, venturosamente, não parece ser de utilidade para ninguém”. 

Vivesse em nossos dias, KAFKA encontraria certamente no enviesado debate que se instalou em nosso país acerca da volta do Poder Judiciário ao trabalho presencial  um tema para o registro em seu diário, tão abstrusas são as razões e motivos que permeiam esse debate.

Com efeito, em lugar de se discutir, como é palmar, a forma de aprimorar a qualidade do trabalho dos juízes e como conciliar essa qualidade com a necessária celeridade do processo, de maneira que o juiz possa encontrar um equilíbrio entre decidir bem e decidir rápido, e não decidir com precipitação e sem qualidade, o debate instalou-se acerca de quantos dias por semana o juiz deve comparecer presencialmente ao fórum, obrigando-o a cumprir uma escala como se fosse um colegial de quem se deve desconfiar,  como se a sua presença física tivesse alguma importância para aferir o grau de qualidade naquilo que constitui a sua principal obrigação, que é a de entregar a melhor decisão possível em um tempo razoável. Não importa se é de péssima qualidade o trabalho que o juiz executa. O que importa é que esteja presente no fórum, e ali possa ser encontrado ao vivo e em cores.

Vivêssemos na época de KAFKA, sem acesso às vantagens que o mundo digital nos propicia, e haveria uma compreensível razão no exigir a presença do juiz no fórum, pois que ali, e somente ali, ele poderia realizar a sua atividade jurisdicional. Mas agora, com o meio digital o processo não está em lugar nenhum: ele é um processo onipresente, tanto quanto o é o próprio juiz, que pode de qualquer lugar e a qualquer hora proferir uma decisão. Kafka poderia mesmo dizer que esse é um mundo “kafkiano”.

Há tantos temas de interesse fundamental aos jurisdicionados e à espera de uma justa solução, como o de garantir uma qualidade razoável no trabalho do juiz, como o de evitar qualquer interferência sobre a sua liberdade de decidir, como o de obstar que se realizem congressos patrocinados por litigantes em processo judiciais e nos quais participem juízes, que considerar como expressiva a discussão sobre a presença física do juiz é realmente discutir o que não parece de utilidade para ninguém.

 

 

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