A lei não contém palavras inúteis e por isso o intérprete não as deve desconsiderar. Essa é uma comum e antiga advertência aos operadores do Direito vinda daqueles que escreveram e escrevem sobre a Hermenêutica Jurídica. Assim, se o Legislador fez constar no artigo 1.037, inciso I, do CPC/2015 que, selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do requisito previsto no artigo 1.036 (uma multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais nos quais se discuta acerca de uma idêntica questão de direito), deverá identificar, com precisão, a questão a ser submetida a julgamento, fazendo suspender todas as ações individuais nas quais aquela mesma questão jurídica surja como questão nuclear, daí decorre que o intérprete não pode desconsiderar o que diz e o que quer dizer essa expressão “com precisão”.
Pois bem, seguindo de perto essa advertência, é de se concluir que o Legislador, ao utilizar-se da expressão “com precisão” quis enfatizar que, em se tratando de uma situação excepcional aquela de fazer com as ações individuais sejam suspensas, deve-se aplicar a interpretação restritiva, e não extensiva, o que significa dizer que o relator deve individualizar o objeto da questão jurídica, porque somente as ações que tratarem dessa mesma e idêntica questão é que serão suspensas.
Ao instaurar o tema 1.069, o relator no STJ escreveu que a questão submetida a julgamento diz com a definição da obrigação de custeio pelo plano de saúde de cirurgias plásticas em paciente pós-cirurgia bariátrica. Destarte, apenas as ações que versam sobre cirurgia plástica em paciente pós-cirurgia bariátrica é que devem ser suspensas, e não as ações que versem sobre matéria fático-jurídica distinta, como são as ações que versam sobre cirurgia reparatória, e não cirurgia plástica. Poder-se-ia obtemperar que haveria, no campo da ciência médica, uma relação de gênero-espécie entre cirurgia plástica e cirurgia reparatória, mas para chegarmos à essa conclusão teríamos que nos utilizar da interpretação extensiva, que não tem lugar na hipótese, em que o legislador, ao dizer que a questão jurídica deve ser definida pelo relator com precisão, vedou o emprego da interpretação extensiva.
Devemos ainda lembrar do que estatui o artigo 322, parágrafo 2o. do CPC, que impõe ao juiz que, na interpretação do pedido, considere o conjunto da postulação, observando o princípio da boa-fé em favor do que o autor está a pleitear, e na forma como o está a pleitear, o que conduz à conclusão de que, se o autor afirma na peça inicial que a cirurgia de que necessita é reparatória, e não plástica, a interpretação deve considerar como prevalecente essa afirmação.
Publicaremos em breve em nosso site (www.escritosjuridicos.com.br) um julgado sobre essa matéria.