Sim, o processualista é um fingidor, tanto quanto FERNANDO PESSOA afirma que o é como poeta:
“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(…)”. (“Autopsicografia”, 1932).
Engana-se, contudo, quem supõe se deva considerar que PESSOA esteja a dizer que, como poeta, dissimulava em face de seu leitor seus sentimentos ou percepções. Como observa seu biógrafo, RICHARD ZENITH, em “Pessoa – Uma Biografia”, recentemente lançada, PESSOA não estava a ser dissimulado conosco – o enigma era dele mesmo. “Ele não sabia como não fingir, então o mais perto que poderia chegar de ser sincero era aceitar-se como um fingidor. Já em criança, Fernando estava determinado a mudar a si mesmo e ao seu mundo. Estava interessado não apenas em fazer de conta, mas em fazer e refazer a realidade”.
Tal como faz o processualista, que é um fingidor na medida em que transporta ao processo uma realidade que não é senão que a realidade que ele próprio faz e a refaz por meio da linguagem, a mesma linguagem que encantou PESSOA desde a infância.
Os operadores do Direito são levados a acreditar que a verdade que se busca no processo é a verdade material, ou seja, aquilo que efetivamente ocorreu, e que o juiz buscar alcançá-la, reproduzindo-a em sua sentença. Mas quando essa realidade é reproduzida na sentença por uma linguagem, está aí o juiz a ser como PESSOA: um fingidor, porque está a fazer e refazer a realidade que lhe foi submetida a exame, com a qual, aliás, ele não tomou contato direto, senão que apenas por meio da linguagem dos advogados, esta também fazendo e refazendo a realidade. De modo que o processualista é sempre um fingidor.