Suponha, caro leitor, que uma empresa terá constatado que, obrigada pela pandemia a adotar o trabalho presencial, aumentara a sua produção, reduzira suas despesas e seus empregados estão mais felizes com a forma como podem desempenhar suas tarefas, sobrando-lhes mais tempo para o lazer, economizado com o tempo que perdiam com deslocamentos até a empresa. Exatamente assim aconteceu com o Poder Judiciário, que, bem examinadas as coisas, é uma empresa que presta um tipo específico de serviço (o de distribuir justiça) aos cidadãos.
O Poder Judiciário brasileiro como um todo nunca produzira tantas decisões e sentenças como fez durante a pandemia. Além disso, diminuiu consideravelmente muitos de seus gastos, como os que envolvem o consumo de energia elétrica. Tudo porque adotou o trabalho presencial, o que ainda permitiu que seus juízes e funcionários dispusessem de forma mais racional seu tempo.
Mas a despeito de toda essa melhoria (que os números comprovam), há quem defenda a volta ao trabalho presencial, argumentando que o Poder Judiciário afastou-se do cidadão, simplesmente porque o juiz não está fisicamente presente no fórum. Entre trabalhar mais e melhor, e a presença física do juiz, entendem alguns que o simbolismo deve prevalecer. Resquício, sem dúvida, dos tempos em que o juiz era considerado uma divindade.
Mas há ainda dois aspectos que merecem uma especial consideração. E, caro leitor, faço como sugeria Machado de Assis, que, por sua pena de cronista, dizia: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com o curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto”.
Pois bem, o trabalho presencial gerou uma situação de equilíbrio entre os advogados, dando aos maiores e mais conhecidos escritórios o mesmo tipo de acesso disponível ao advogado mais humilde, pois que todos podem solicitar ao juiz o despacho por meio virtual, meio que é incompatível com os salamaleques que eram comuns no contato presencial. É próprio ao mundo virtual a economia do tempo, com o que a objetividade impõe-se. Não há pompa, nem lugar para afetações no despacho virtual. O advogado fala apenas o necessário, o juiz ouve e a decisão tende a ser proferida mais brevemente e com maior qualidade.
Além disso, os advogados não precisam se deslocar de sua cidade, e os pequenos escritórios muitas vezes deixavam de requerer o despacho ao juiz porque o cliente não dispunha de recursos financeiros para custear a viagem do advogado até a sede da vara ou do tribunal.
Tudo isso gerou um saudável equilíbrio de oportunidades entre todos os advogados, do escritório mais renomado ao advogado mais humildade. Todos têm o mesmo tipo de acesso ao Poder Judiciário, o que atende plenamente ao princípio da igualdade no acesso à justiça. Mas, obviamente que isso está a causar incômodos a alguns grandes escritórios, que perdem com esse equilíbrio, e o que explica a grande resistência desses mesmos escritórios a que se mantenha o trabalho virtual no Poder Judiciário.
Outro aspecto que deve ser revelado diz respeito ao mundo interno do Poder Judiciário, à sua política. Com o trabalho virtual, o juiz passa a se concentrar apenas no seu trabalho, e não mais à disputa por cargos comissionados que no Poder Judiciário, tanto quanto nos demais Poderes, existem a mancheia. A vida política não existe sem o contato físico, e muitos que defendem a volta ao trabalho presencial o perceberam, e se desagradaram com isso.
Caro leitor, antes de assumir uma posição quanto à volta ao trabalho presencial do Poder Judiciário, reflita sobre esses aspectos.