Mestre CANOTILHO, em seu livro lançado no Brasil em 2008, “Estudos sobre Direitos Fundamentais”, considerou sete situações hipotéticas em que a liberdade está a colidir com outros direitos subjetivos ou posições jurídicas estatais, para analisar como o Direito positivo pode trazer uma solução algo razoável para cada uma dessas situações.

A primeira dessas situações hipotéticas diz respeito a um dirigente partidário que pretende realizar um comício eleitoral em praça pública de um município e não consegue autorização do Poder Público para que o possa fazer, surgindo aí um conflito entre o direito de liberdade partidária (e também das liberdades de expressão e  de propaganda eleitoral) e o poder de polícia de que é titular o Estado. É nesse contexto, pois, que CANOTILHO formula a questão que é nuclear em seu livro: “qual é o instrumento procedimental/processual célere e eficaz, ao dispor da organização partidária para assegurar, sem impedimentos, o exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos?”.

As outras hipotéticas situações operam com semelhante questão.

Esse livro tornou-se obra clássica no estudo dos inúmeros e diversificados conflitos que envolvem as liberdades que tendem a colidir entre si, o que antes de CANOTILHO havia percebido o genial filósofo, ISAIAH BERLIN, isso na década de cinquenta, quando afirmava que a liberdade tende a colidir e efetivamente colide com outros direitos, e por isso é necessário encontrar uma forma racional para a solução desses conflitos.

Convém assinalar que BERLIN não reconhecia no Direito  o local apropriado onde essa solução razoável poderia ser encontrada, conquanto frisasse que o Direito é o instrumento pelo qual essa solução pode ser aplicada à realidade material subjacente.

Destarte, como as liberdades colidem entre si, é indispensável fixar limites, e esses limites devem ser estabelecidos com base em uma solução razoável. Mas o que é “uma solução razoável?”. BERLIN não responde, os filósofos não respondem, e os juristas igualmente não o podem responder, porque a solução de cada caso depende necessariamente do exame das circunstâncias extraídas da realidade material subjacente.

Circunstâncias que devem ser consultadas para que, em primeiro lugar, possam conduzir a uma tentativa de harmonização entre as liberdades em conflito, evitando-se tanto quanto possível que uma liberdade oblitere a outra.

Mas quando é impossível uma harmonização, uma das liberdades deve ser sacrificada, e para que isso ocorra é então indispensável buscar-se uma solução razoável. As circunstâncias da realidade material subjacente, tanto formam o material a ser consultado para a harmonização das liberdades, quanto formam o material com base no qual o Poder Judiciário deverá encontrar uma solução razoável.

Quando no exercício de uma determinada liberdade garantida pela lei seu titular sobre-exceda, sem justa razão,  os limites inerentes a essa liberdade,  então nesse caso não se trata de encontrar uma solução razoável, senão que garantir a prevalência do único direito subjetivo realmente existente, porque o outro direito, daquele que sobre-excedeu injustamente seus limites, esse direito não mais existe, e se não existe, não é caso de tentar harmonizá-lo com outra liberdade em conflito, senão que fazer aplicar a lei. Utilizemo-nos, a título de exemplo, da hipótese descrita por CANOTILHO, quanto ao comício eleitoral. Suponha-se que o dirigente partidário não pretenda respeitar  nenhuma norma que limite a forma pelo qual a comício pode ser realizado, agindo com violência contra o Poder Público. Nesse tipo de situação, não há dois direitos em conflito, porque a rigor não há conflito: há apenas um direito subjetivo que merece proteção, no caso, o do Estado. O outro direito, esse não mais existe porque seus limites foram ultrapassados em tão larga medida que desnaturou o próprio direito.

 

 

 

 

 

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