O conceito de “desinformação” é tão amplo que, no limite, pode abranger até mesmo o conceito oposto – o de informação. De acordo com o dicionário Aurélio, “desinformação” é o ato ou efeito de desinformar; a informação propositadamente desvirtuada, deformada ou falseada para induzir o adversário em erro de apreciação.

Um conceito acentuadamente abrangente,  como se vê. E aqui começa o problema, que o Direito positivo brasileiro não quis ainda enfrentar, e que a rigor não deve mesmo o fazer porque  é impossível definir, com a exatidão e objetividade que um tipo legal reclama, o que é a verdade.

Dois dos maiores pensadores de todos os tempos, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, cuidam observar que, se dirá mentira aquele que, tendo uma coisa na mente, expressa outra distinta com palavras ou outro sinal qualquer; que se a verdade é a conformidade da coisa com a inteligência, e que se o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas no intelecto, resultará daí que o dever de dizer a verdade é de ordem subjetiva: é um dever de veracidade.

Ocorre, porém, que do fato de a verdade poder ser aferível unicamente a partir da inteligência (“Veritas est adaequatio rei et intellectus”), não significa que a imagem que se alcance pelo intelecto constitua sempre a verdade, porque a relação de conformidade do intelecto com a coisa pode não existir com perfeição, havendo, nesse caso, um erro de juízo.  Vejamos o que afirma a respeito Santo Tomás, em obra na qual versa sobre a essência da verdade (“Questões Discutidas sobre a Verdade”), obra menos conhecida do que a Suma Teológica: “(…) o que o verdadeiro acrescenta ao ente é a concordância ou assemelhação entre a coisa e a inteligência, concordância da qual deriva a cognição da coisa (…). Assim, pois a entidade da coisa antecede a esfera da verdade, ao passo que a cognição constitui um certo efeito da verdade”.[2] E, principalmente, na Suma Teológica: “(…) A verdade, como dissemos (…), na sua noção primária, existe no intelecto. Pois, sendo toda realidade verdadeira, na medida em que tem a forma própria da sua natureza, necessariamente o intelecto conhecente será verdadeiro, na medida em que tem semelhança com a coisa conhecida que é a forma do mesmo, enquanto conhecente. E, por isso, a verdade é definida como a conformidade de coisa com a inteligência. (…)”.

Portanto, o conceito de “desinformação” tem seu núcleo noutro conceito, a que obrigatoriamente remete: o conceito de verdade, e como se fez assinalar, esse conceito também é indeterminado, porque pode ocorrer de o autor da informação supor, em seu intelecto, que o objeto do que informa é verdadeiro, quando depois se verifica que há, no conteúdo da informação, uma aspecto que estaria em desconformidade com a realidade. Configurar-se-ia a desinformação?

Há também por se considerar que uma informação nunca é totalmente objetiva, seja da parte de seu autor, seja de quem a recebe como leitor. Com efeito, a informação é uma mensagem composta e estruturada por signos e esses signos produzem determinado sentido, que não é apenas aquele sentido que o autor da informação queria alcançar, mas outros que o leitor, ele próprio, tratará de extrair, conforme diz UMBERTO ECO. Assim, o conceito de desinformação no plano legal deve ser ampliado além daquilo que os bons dicionários registram, porque a desinformação pode estar em sentidos que o texto comporta, embora não lobrigados pelo autor da informação.

E por falarmos em UMBERTO ECO, lembremos de seu livro “OBRA ABERTA”, para dizer que toda informação é, em essência, uma obra aberta à disposição do leitor.

Os tipos legais devem ser claros, objetivos e determinados, nomeadamente quando se trata de censurar condutas. Destarte, como pode uma norma legal fixar o conceito de “desinformação”, diante dos insuperáveis escolhos que a Filosofia e a Semiologia identificaram?

O novo governo, por meio da Advocacia Geral da União, ao criar, com um pomposo nome, a “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, estabeleceu em ato normativo que esse órgão tem, dentre as suas atribuições, a de “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e  procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Conquanto seja louvável o empenho governamental, faltou dizer na norma legal o que se deve entender por “desinformação” e, de resto, o que são “políticas públicas”, outro conceito que é tão indeterminado quanto aquele.

 

 

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