Nós, os operadores do Direito no Brasil, acabamos aceitando, sem grande resistência, que existam súmulas vinculantes e teses de aplicação obrigatória emanadas de tribunais de superposição e locais, e acreditamos que esse fenômeno seria inevitável em um mundo em que a economia impõe a sua vontade de que exista certeza jurídica. Afinal, nada é mais desejável ao mundo econômico que a previsibilidade.

Mas como em tudo na vida há um preço a pagar pelas escolhas que se fazem. E o ter o nosso direito positivo adotado a técnica dos precedentes obrigatórios, importando uma ideia que vem do direito anglo-saxão, trouxe consigo problemas, dentre os quais o mais grave é um sobre o qual falou o jurista italiano ENRICO ALLORIO.

Confrontando a ciência jurídica anglo-saxã com a que então se praticava na França, e censurando a esta por uma carga estática além de um justo limite, ALLORIO escreveu:

Mais difícil é explicar-se a estaticidade da ciência francesa. Ela é, contudo, um fato. A impermeabilidade dessa escola à revolução sistemática operada no século XIX alemão mostra-se na contrastada acolhida dispensada a Saleilles, que melhor que seus conterrâneos parecia haver compreendido a fecundidade dos estudos levados a cabo na Alemanha. A leitura das obras francesas deixa, ainda hoje, a impressão de uma elaboração clara, porém superficial. A ordem expositiva parece dirigida, mais que a traçar as grandes líneas lógicas dos problemas, a ligar, mediante um tecido conectivo qualquer, lições tradicionais acriticamente repetidas. (…) Os problemas construtivos com os quais lida a escola alemã, que nos preocupam agora a nós italianos e que começam a apaixonar o mundo legal ibero-americano, não encontram eco nas páginas dos franceses. A ciência da nação vizinha carece de ‘lirismo’ entendendo-se por isso a individualidade da investigação. Há adestramento, não há investigação”. 

Estamos a correr, pois,  o mesmo risco que ALLORIO identificou na ciência do Direito como então se praticava na França, porque,  prevalecente a obrigatoriedade das súmulas vinculantes e das teses jurídicas fixadas por tribunais de superposição e locais, os juízes estão sendo adestrados para as cumprir, e não para as perscrutar, o que explica o grau de superficialidade cada vez mais acentuado que se percebe em muitas das decisões judiciais.

É relativamente ainda muito cedo para avaliarmos como segurança que efeitos a adoção das súmulas vinculantes e das teses obrigatórias causará não apenas em nossa jurisprudência, mas em nossa ciência do Direito, porquanto é óbvio que muitos dos autores, em  especial aqueles menos inclinados a estudos mais profundos, tratarão de apenas explicar ao leitor o que uma súmula vinculante estabeleceu em termos de conteúdo, sem desenvolver uma análise crítica, uma investigação como diria ALLORIO, e não serão apenas os juízes que acabarão por ser adestrados, senão que também os operadores do direito e os leitores.

Com o tempo, teremos perdido o caráter científico de nossa ciência do Direito, pelo qual arduamente lutaram juristas do porte de TEIXEIRA DE FREITAS, CLÓVIS BEVILÁQUA, RUI BARBOSA, PONTES DE MIRANDA,  EDUARDO ESPÍNOLA, LOPES DA COSTA, JOÃO BONUMÁ.

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