“TÍTULO IV
– DO JUIZ E DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
CAPÍTULO I
– DOS PODERES, DOS DEVERES E DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
II – velar pela duração razoável do processo;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada antes de encerrado o prazo regular.”.
Comentários: em 1950, o processualista italiano, ENRICO ALLORIO, acerca das novas exigências a sociedade impunha ao processo civil e ao juiz, observava: “Para a atuação de tal tendência é mister que seja concretamente superada a fase, subsistente entre nós até tempos recentes, do processo aparatoso e solene diante de um juiz-esfinge, estranho à investigação ativa da verdade, exclusivamente confiada esta ao desenvolvimento da discussão entre as partes. Tipo de processo em que o magistrado quase não exibe, na instrução, útil intervenção alguma, e se limita, concluída a instrução, a decidir sobre os escritos de defesa das partes, e sobre a impressão de um debate oral conduzido essencialmente por velhos cânones da eloquência, no qual o juiz não pode dirigir por haver chegado a ele despreparado”. (“La Vida del Derecho en Italia”, in Problemas de Derecho Procesal, tomo I, tradução por Santiago Sentis Melendo, EJEA, Buenos Aires).
Passados mais de setenta anos dessa atilada observação de ALLORIO, estamos ainda hoje a buscar o perfil do juiz diante das demandas que uma sociedade pós-moderna está a produzir em um ritmo vertiginoso, não apenas na quantidade, mas na complexidade das causas. Se já ao tempo de ALLORIO não se admitia o “juiz-esfinge”, que é aquele juiz passivo, diante do processo, levando muito ao pé da letra a ideia de que deveria ser imparcial, hoje as exigências ao juiz na condução do processo são muito maiores, o que explica o CPC/2015 ter consideravelmente ampliado o rol dos poderes-deveres do juiz no processo como se vê do artigo 139 e quando se o compara com o rol que compunha o artigo 125 do CPC/1973.
Começamos por dizer que não se trata de “poderes”, mas propriamente de “poderes-deveres”. O juiz não dispõe do poder de “velar pela duração razoável do processo”, senão que se lhe exige o dever que assim o faça, tanto quanto o deve fazer no que diz respeito à adoção de todas as medidas necessárias à efetivação de suas decisões.
Dentre esses “poderes-deveres” que o artigo 139 enumera de maneira exemplificativa, não exaurindo outras situações que surjam no processo e para as quais o juiz deva exercer seu poder-dever emanado da jurisdição, o primeiro deles diz respeito a dever assegurar às artes igualdade de tratamento, o que a rigor era desnecessário prever no artigo 139, pois que é suficiente o princípio que o artigo 7o. do CPC/2015 erigiu, quando estabelece que “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.
O juiz deve zelar para que se implemente a garantia a um processo justo, que é o processo no qual as partes tenham iguais oportunidades no sentido mais amplo que se possa daí extrair, conforme está previsto, por exemplo, nos artigos 9o. e 10 do CPC/2015. O processo civil é um processo de resultados, mas esses resultados somente podem ser justos se o processo for um processo justo, o que passa evidentemente pela igualdade de tratamento das partes no processo.
Importante sublinhar que hoje a doutrina do processo civil passou a ver no princípio da igualdade aquele mesmo conteúdo mais completo que os filósofos e os juristas identificaram quando buscaram compreender o que significa uma igualdade real, e não apenas formal. Os constitucionalistas, por exemplo, compreendem o princípio da isonomia também sob o enfoque da coerência, como, por exemplo, no caso em que a Administração Pública deve adotar para casos iguais soluções iguais, o que também é de ocorrer no campo do processo civil, o que, aliás, justifica que o CPC/2015 tenha fixado em seu artigo 926 que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la coerente.
Outro conteúdo importante extraído do princípio da igualdade radica no considerar as circunstâncias específicas de uma situação jurídica e que possam comprometer a igualdade, cabendo ao juiz adotar medidas que, dentro de certos limites, possam garantir um equilíbrio. É o que justifica, por exemplo, a adoção da técnica da inversão do ônus da prova.