Os italianos, antes mesmos que nós, os brasileiros, enfrentaram um interessante fenômeno, no bojo do qual identificaram um novo papel que a realidade impôs ao Poder Judiciário: o de realizar atividades que, a princípio, cabiam exclusivamente ao Poder Executivo na Democracia. Ao Poder Judiciário a realidade impôs exercesse funções de “suplência política”, assim perceberam os italianos.
A origem desse fenômeno radica no elevado grau de complexidade que caracteriza a nossa sociedade pós-moderna, em que a Democracia como estrutura de um sistema que é compósito, cuja natureza é a um só tempo social, política e jurídica, a Democracia como estrutura desse sistema, pois, não consegue lidar, não com a eficiência que se podia esperar, com um grau de complexidade muito maior do que tínhamos antes.
O Brasil está agora a vivenciar esse mesmo fenômeno, mas com características que não são as mesmas vivenciadas pela Itália, porque a nossa Democracia apresenta certas peculiaridades, as quais evidentemente refletem no grau de complexidade com o qual o sistema deve operar, e as relações entre os Poderes Executivo e Judiciário em nossa Democracia devem ser compreendidas nesse específico contexto.
Observa LUHMANN: “No decorrer do desenvolvimento social em direção à complexidade mais elevada, o direito tem que abstrair-se crescentemente, tem que adquirir uma elasticidade conceitual-interpretativa para abranger situações heterogêneas, tem que ser modificável através de decisões, ou seja: tem que tornar-se direito positivo. Nesse sentido formas estruturais e graus de complexidade da sociedade condicionam-se reciprocamente”. (“Sociologia do Direito”, volume I, p. 15.
E quando LUHMANN fala em “complexidade”, ele se refere ao fato de que existem sempre mais possibilidades do que um sistema pode ter previsto, e essas possibilidades que não foram previstas é que trazem uma “contingência” ao sistema, no sentido de que, como ocorrem possibilidades não previstas, seus efeitos podem causar frustração.
Como diz RAFFAELE DE GIORGI em “Direito, Democracia e Risco – Vínculos com o Futuro” (p. 56): “Na sociedade contemporânea, a democracia chega a ser norma e orientação para a elaboração da complexidade produzida pela indeterminação estrutural que caracteriza os sistemas sociais diferenciados”. E ainda na mesma obra (p. 56 r 57): “A democracia se transforma em uma improvável aquisição evolutiva, continuamente submetida aos riscos inerentes ao tratamento político da complexidade. A democratização do processo político é o resultado da autonomização desse sistema e do excesso de exigências que ele requer do sistema. (…). Nessas condições estruturais, democracia é a manutenção da complexidade: é estrutura seletiva que reproduz complexidade baseada na permanente ativação de operações de tomadas de decisões”.
O problema que envolve a nossa Democracia está exatamente nesse contexto, em que o Poder Judiciário acaba inevitavelmente por assumir as funções de suplência política, porque como o grau de complexidade de nossa sociedade torna-se cada vez maior, haverá sempre um número maior de contingências que escapam ao sistema da política, sistema que não consegue a tempo adequado criar o direito positivo para essas situações imprevistas e imprevisíveis.
E como a Democracia exige soluções imediatas, porque sem elas a estrutura do sistema tende a desmoronar, o Poder Judiciário vê-se obrigado a lidar com essas contingências, assumindo o papel que é do Poder Executivo, surgindo aí “o risco da irritabilidade entre os dois sistemas”, como diz RAFFAELE DE GIORGI, que adverte que, diante desse risco, pode surgir uma relativa indiferença entre um sistema e outro, e nesse caso o nível de democratização está ameaçado. Esse é o risco a que devemos estar atentos.