Se há um recurso que vem experimentando ao longo do tempo uma série de importantes modificações em sua estrutura e campo cognitivo, é sem dúvida o recurso de apelação, tratado no Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015 de uma forma muito diversa do que acontecia no Código de Processo Civil de 1973. Vejamos duas principais diferenças.
A primeira diz respeito à técnica do julgamento estendido, adotada pelo artigo 942 do CPC/2015: “Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”.
De acordo com essa técnica, o julgamento do recurso de apelação é “estendido”, no sentido de que se amplia o número dos julgadores, quando o julgamento não é unânime. Convocam-se, pois, outros julgadores, os quais, contudo, são considerados como se estivessem a julgar a apelação desde o início, em iguais condições, portanto, à daqueles que estavam desde o início. Esse é um aspecto que merece ser destacado e que justifica denominar-se a técnica de “julgamento estendido”, a bem traduzir a ideia de que o recurso a ser julgado por esses “novos” juízes é rigorosamente o mesmo que estava a ser julgado desde o início por uma turma em número menor. Quer isso dizer que, ainda que a controvérsia circunscreva-se a um determinado capítulo da sentença, os novos julgadores não têm seu campo cognitivo e decisório limitado à matéria sobre a qual se instalou a urgência, e podem assim julgar todas as matérias que foram devolvidas ao recurso, tal como o fizeram os juízes da turma original. Note-se que não se trata de um outro recurso, senão que o mesmo recurso de apelação, que tem apenas a sua composição de julgadores ampliada.
A outra novel técnica é a que está prevista no artigo 1040 do CPC/2015. Poder-se-ia dizer que ela tinha sido adotada pelo CPC/1973 em seu artigo 543-C, parágrafo 7o., mas há importantes diferenças entre o que havia naquele Código e naquele que está agora em vigor. Segundo o artigo 1.040, publicado um acórdão-paradigma (que é o acórdão que, elaborado por um tribunal de superposição, Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, formula uma tese jurídica com efeito vinculante), em havendo divergência, pois, com um recurso julgado por um tribunal local (recurso que estará ainda em trâmite, suspenso por ordem do tribunal de superposição), então nessa situação o órgão do tribunal local (câmara ou turma) deverá analisar se é ou não caso de proceder a um juízo de retratação (do que já tratamos em uma outra publicação, e à qual remetemos o leitor), de modo que decida se deverá prevalecer ou não o acórdão-paradigma emanado do tribunal de superposição, ou se será mantido o acórdão originário. Trata-se, pois, de uma técnica que se materializa em um juízo de retratação que o tribunal local deve realizar como etapa indispensável. Note-se que, nesse tipo de situação, não se está a julgar novamente o recurso de apelação, senão que se está apenas a analisar se o acórdão originário contraria ou não o acórdão-paradigma, e em contrariando, se é ou não caso de manter o decidido, ou modificar para que se adote a tese firmada pelo tribunal de superposição. É exatamente neste ponto que se deve destacar que ao tribunal local cabe apenas analisar se os fundamentos jurídicos adotados no acórdão-paradigma são os mesmos que foram analisados no acórdão originário, e apenas nesse caso é que o juízo de retratação pode ser realizado. Se não há coincidência entre esses fundamentos jurídicos, o juízo de retratação não deve ser realizado, e o acórdão originário mantido.
Há ainda que se observar que poderá ocorrer uma outra situação. O juízo de retratação é feito quando há identidade de fundamentos jurídicos nos dois acórdãos (no acórdão originário e no paradigma), mas além desses fundamentos jurídicos pode haver outros que foram tratados no acórdão originário e que não estão abarcados no acórdão paradigma. Para essa hipótese, aplica-se o artigo 1.041, parágrafo 2o. do CPC/2015. Necessário sublinhar que “por outras razões”, expressão que aparece na referida norma, há que se entender que existem, no acórdão originário, outras matérias (e outros pedidos) que foram ali tratados, além daquele sobre o qual decidiu o acórdão-paradigma. Basta, pois, que o acórdão originário tenha tratado do mesmo fundamento jurídico que alicerçou o acórdão-paradigma para que o juízo de retratação ocorra, ainda que o acórdão originário tenha analisado outros fundamentos jurídicos acerca da mesma matéria. Assim, quando o artigo .1041, parágrafo 2o., do CPC/2015 fala em “outras questões” está se referindo a outras matérias, ou seja, a outros pedidos que formam a demanda, além daquele pedido em relação ao qual há identidade de ao menos um fundamento jurídico entre o acórdão-paradigma e o acórdão originário.
Essas técnicas aprimoraram o campo cognitivo do recurso de apelação, tornando-o mais consentâneo com a importância desse em nosso sistema de processo civil, considerando que é o último recurso de que a parte pode se utilizar quando pretenda discutir matéria fática e mesmo direito local, limites que são rigorosamente observados quando se trata do recurso especial ou extraordinário. Daí a importância do recurso de apelação e o louvável esforço do CPC/2015 em revestir a estrutura do recurso de apelação de acordo com essa mesma importância.