Desde o estudo de CHIOVENDA de 1905, sabe-se que a coisa julgada é uma criação imposta pelo legislador apenas por uma necessidade de ordem prática, que é a de evitar a indefinição jurídica sobre um determinado tema, de modo que, não fosse esse problema (o da incerteza jurídica), não haveria razão lógica para encerrar-se a discussão de um tema. Donde se resulta apropriado denominar-se, como os antigos o faziam, de “autoridade da coisa julgada”, e não apenas “coisa julgada”, a demonstrar que o Estado, com sua autoridade, obsta que uma decisão judicial possa ser revista, depois que definitivamente julgada. É o que observa CHIOVENDA:
“(…) Em todos os casos, a preclusão depende não da autoridade inerente à palavra do juiz (autoridade que, por maior que seja, não exclui o erro, a discussão e a correção), senão de razões de utilidade prática, porque é necessário por um limite à possibilidade de discutir; varia somente nos diversos casos a razão pela qual se sente essa necessidade. Porém, coisa julgada não quer dizer juízo, quer dizer bem reconhecido ou negado. Sem em vez de coisa julgados, nós pudéssemos dizer bem julgado, estabeleceríamos de um modo mais evidente a diferença entre coisa julgada e questões julgadas”. (“Cosa Juzgada y Competencia, in De los Studi em honor de Carlo Fadda, 1905).
Essa necessidade de ordem prática foi sentida por nossos Tribunais há alguns anos, quando um pai, em tendo sucumbido em uma ação de investigação de paternidade e reconhecido como pai, ajuizou uma nova ação, em que sustentava que não havia um grau considerável de certeza no exame então realizado, e, nessa novel ação, buscava obter o reconhecimento do direito a que uma nova perícia fosse realizada, malgrado a coisa julgada material produzida na anterior ação e a superação do prazo da ação rescisória. Percebeu-se que, aceita aquela ação, criar-se-ia um problema que se sabia onde começava, mas não se podia com segurança prever onde chegaria, pois que, autorizado aquele pai a rediscutir a coisa julgada material, a mesma razão deveria conduzir a permitir que qualquer um pudesse discutir a coisa julgada material em face de todo o tipo de matéria.
Passados os anos, imaginava-se que a lição de CHIOVENDA, ao enfatizar a necessidade de se observar a utilidade prática que vem da coisa julgada, seria assimilada definitivamente, mas se constata que não.
Com efeito, está em análise no Supremo Tribunal Federal o exame da coisa julgada material em matéria tributária. Discute-se, pois, se o contribuinte que tiver tido o reconhecimento de um direito subjetivo contra o Fisco por sentença transitada em julgado, poderá ter esse mesmo direito suprimido em razão de o Supremo Tribunal Federal ter posteriormente à coisa julgada modificado a sua jurisprudência. Note-se que o prazo da ação rescisória já está superado.
E assim a coisa julgada material volta a ser questionada, ou mais precisamente a sua utilidade prática em algumas situações. O problema é que, aberto o caminho para rediscutir a coisa julgada em matéria tributária, não haverá razão consistente que possa obstar a que, noutras matérias, o mesmo direito de ação reconheça-se a quem perdeu uma demanda e a queira discutir.
Há lembrar, por fim, um pequeno detalhe: a nossa Constituição de 1988 erigiu a uma cláusula pétrea a garantia à coisa julgada, como consta de seu artigo 5o., inciso XXXVI. De maneira que, antes de analisar se seria útil ou não afastar a coisa julgada material, seria o caso de saber se constitucionalmente isso é possível de fazer.