Os mais antigos lembrar-se-ão de uma espécie de muleta de que constantemente utilizavam-se todos aqueles que, em especialmente por ofício, tinham a função de redigir documentos produzidos em processos judiciais, inquéritos policiais e escrituras. Era o tempo da máquina de escrever.
Era o tempo em que o datilógrafo, percebendo algum erro em que tivesse incidido, socorria-se a seu tempo e a modo com a palavra “digo”, como se estivesse a pedir ao leitor escusas pelo erro, retificando-o logo a seguir. Era, pois, algo frequente que um texto oficial mais longo, fosse recheado por “digo” aqui e acolá, utilizado para todo tipo de erro, do mais prosaico até ao indesculpável.
E o “digo” insistia em manter-se presente no texto, como uma memória imposta ao datilógrafo.
Sempre desejaram os críticos literários poder conhecer dos rascunhos dos grandes escritores, daquilo que esses escritores cuidaram apagar antes de chegarem ao texto final. A Literatura seria outra, dizem alguns críticos. O “digo” era uma espécie de um rascunho, mas que tinha a particularidade de surgir com o texto em sua redação final, e desse texto acabavam por fazer parte, revelando muitas vezes algo que o texto em sua forma final tentava esconder.
Pode-se mesmo dizer que, com o “digo”, havia dois textos colocados à leitura: um com o “digo”, e outro sem ele, e as interpretações variavam muito entre uma leitura e outra. E quantas surpresas não revelaram alguns documentos, sobretudo oficiais, quando se atentava para um outro sentido que surgia com o emprego do “digo” em uma determinada frase, gerando dúvida no intérprete se a melhor expressão não estava exatamente no trecho que vinha antes do “digo”, ou seja, no trecho corrigido.
Mas com a chegada dos computadores e com a sua ferramenta de correção automática, não há mais o “digo”, e aquilo que o leitor recebe é já a redação final escoimada e por isso uma redação algo artificial. Suponho esteja ainda por ser feito um estudo na área da Semiologia acerca do impacto causado pela supressão do “digo” nos textos.