Assim HABERMAS começa o último capítulo de seu famoso livro “Mudança Estrutural da Esfera Pública”, tratando do conceito de “opinião pública”:

Opinião pública’ é algo que assume um outro significado caso ela seja apelada como uma instância crítica em relação à ‘publicidade’ no exercício do poder político e social normativamente exigida ou como uma instância receptora na relação com a publicidade difundida de modo demonstrativo e manipulativo, sendo ela utilizada para pessoas e instituições, bens de consumo e programas. Na esfera pública, concorrem ambas as formas – ‘publicidade’ e publicidade -, mas ‘a’ opinião pública é o seu destinatário-comum (…)”.

Importante observar que se trata de um ensaio escrito em 1961 e publicado no ano seguinte, em que HABERMAS impõe-se a tarefa de investigar o que constitui o conceito de “esfera pública burguesa” e suas relações não apenas com a Sociologia, mas também e principalmente sob certo aspecto com o Direito positivo, analisando com seu habitual rigor aspectos que vão da estrutura social da esfera pública, passando pelas funções públicas no Estado de Direito burguês, até poder moldar o conceito de “opinião pública”, àquela altura apenas um conceito ensaístico.

Esse tema é cada vez mais recorrente em nossa realidade pós-moderna, em que os atores políticos em geral são obrigados mais e mais a emitir suas opiniões sobre assuntos os mais variados, opiniões que são agora veiculadas  nas redes sociais, as quais passaram a ocupar um espaço que os jornais antes ocupavam ao tempo em que Habermas escreveu seu precioso ensaio.

Poderíamos dizer, à maneira de HABERMAS, que houve uma mudança estrutural não apenas da esfera pública, mas dos meios pelos quais essa opinião é transmitida a seu leitor. As redes sociais assumiram o lugar de destaque como veículo pelo qual as opiniões públicas formam-se, desformam-se e se formam novamente, como ocorre quando a mensagem chega ao leitor, que é o seu destino.

Mas se antes, quando os jornais eram esse veículo, poder-se-ia dizer que, conforme o jornal, a mensagem chegava a seu leitor em um contexto totalmente diferente do que chegaria caso o leitor estivesse a ler a mesma notícia ou artigo em um outro jornal, como bem observou ROLAND BARTHES tratando em particular da fotografia em “A Mensagem Fotográfica”, mas o que se pode estender aos textos jornalísticos:

(…) o canal de transmissão é o próprio jornal, ou mais exatamente, um complexo de mensagens concorrentes, sendo a fotografia o centro, mas cujos arredores são constituídos pelo texto, o título, a legenda, a paginação, e de um modo mais abstratos mas não menos ‘informante’, o próprio nome do jornal (porque esse nome constitui um saber que pode infletir fortemente a leitura da mensagem propriamente dita: uma fotografia pode mudar de sentido ao passar de L’Aurore a L’Humanité)”. 

Esse fenômeno surge agora sob uma nova roupagem quando se cuidam das redes sociais, e se pode mesmo dizer que esse fenômeno ocorre mais intensamente, porque o leitor consegue, ele próprio, escolher o conteúdo do que quer ler nas redes sociais, e  assim espera encontrar nesse conteúdo exatamente o que quadra com a sua visão da realidade, o que não sucedia, não com o mesmo peso, com os jornais, porque o leitor, percorrendo as páginas de seu jornal, inevitavelmente se deparava com um conteúdo muito mais variável e imprevisível do que gostaria. Um jornal é feito por muitas mãos, e nem sempre seus donos têm um poder absoluto e onímodo sobre seus empregados.

Com as redes sociais, criaram-se “jornais exclusivos” na exata medida do gosto do leitor, o que, aliás, SUSAN SONTAG havia previsto viria a ocorrer. Observe-se que ela fizera essa previsão na década de setenta, quando disse que chegaria um tempo em que cada leitor faria seu próprio jornal. E o que são as redes sociais, senão que exatamente isso.

Mas a opinião pública de que fala HABERMAS? Obviamente que ela se transforma com as redes sociais, a confirmar o quão correto estava MARSHALL McLUHAN ao afirmar: “o meio é a mensagem”.

Mudou a mensagem, mudou o leitor, e mudaram ambos, e a nossa percepção da opinião pública, como a conhecíamos na Política, no Direito e na Sociologia, também deve mudar, e está mudando com uma acentuada velocidade, o que explica o hercúleo trabalho que é imposto à  Justiça Eleitoral brasileira nos últimos tempos.
 

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