Em 1967, ao tempo, pois, em que estava a lidar com a sétima edição de sua obra “Direito Processual Civil, lançada vinte anos antes, o jurista italiano, SALVATORE SATTA, além de lembrar das virulentas críticas que às suas ideias lançara CARNELUTTI, recordava de como àquele tempo era comum que os juristas escrevessem livros nos quais o tema recorrente era a da crise no Direito: “Realmente não existia então livro que não falasse da crise, que não tratasse de individuá-la em seus termos e suas causas, e talvez não formulasse a receita para resolvê-la”, escrevia SATTA.

O curioso é que hoje os juristas não falam, nem escrevem mais sobre a crise no Direito, como se tratasse de um fenômeno que teve seu lugar na história, mas que não subsistiu. E é curioso exatamente porque a nossa sociedade moderna é caracterizada como aquela em que o grau do risco e da incerteza aumentou, em que as coisas mudam em uma velocidade tão acelerada que ZYGMUNT BAUMAN cunhou a denominação e o conceito de “modernidade líquida”, em que tudo parece estar e efetivamente está em um “estado permanente de liquidez”, em que “a contingência, a incerteza e a imprevisibilidade estão aqui para ficar”, diz o filósofo polonês em seu livro “Legisladores e Intérpretes”, escrito, aliás, antes de ele cunhar a denominação “modernidade líquida”, quando ele já lobrigava a radical mudança pela qual a sociedade passava.

Mas no campo do Direito, em especial no Direito Processual Civil, o risco, a contingência, a incerteza e a imprevisibilidade parecem não caracterizar a nossa sociedade moderna, quando encarada sob a perspectiva do Direito positivo. Se no século XX, ao tempo de SATTA, a crise no Direito era um assunto obrigatório, hoje não há jurista que considere o tema como objeto de suas reflexões. A sociedade moderna pode ser líquida, mas o Direito não é, é o que se deve concluir.

E se formos ao nosso CPC/2015 encontraremos institutos como os da súmula vinculante e do incidente de resolução de demandas repetitivas, que podem comprovar que, de fato, não há mais risco no Direito, ou que o Direito possa produzir. Institutos como esses eliminam qualquer crise, basta que se os apliquem.

Será essa, entretanto a realidade? Obviamente que não. É suficiente lembrar o que vem ocorrendo com a problemática envolvendo as inúmeras demandas que são diariamente ajuizadas por consumidores contra as operadoras de plano de saúde acerca da extensão da cobertura contratual. Conquanto o Direito positivo se esforce para eliminar esse tipo de crise, inclusive para dizer que se trata de um problema político, e não jurídico, a crise não desaparece, e continua cada vez mais forte, a ponto mesmo de o Congresso Nacional resolver então participar da crise, legislando a respeito da relação de procedimentos e medicamentos que a operadora de plano de saúde deve observar.

É como se o Direito pretendesse transferir para outros domínios (político, social) uma crise que é sua, e para a qual lhe cabe dar a solução. E a primeira solução é reconhecer que existe uma crise jurídica.

SATTA, no mesmo texto mencionado, dizia: “Não existe privilégio maior, para um jurista, que o de ter vivido num mundo sem direito. O direito se torna então política, filosofia, religião, mais simplesmente pensamento (…)”. É o que está ocorrer neste nosso mundo em que o Direito finge que a crise não existe, ou se existe, que não é jurídica.

E concluímos com um diagnóstico feito por SATTA em 1967, mas que cabe como uma luva ao nosso tempo: “há bastante tempo já ninguém fala mais de crise, péssimo sinal, sinal de que a crise se resolveu pela pior das formas, isto é, pela renúncia ao pensamento”. 

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