Ao deferir o processamento da ação de recuperação judicial, determina o artigo 52, inciso III, da lei federal 11.101/2005, deve o juiz ordenar a suspensão das ações ou execuções contra o devedor, ajuizadas por aqueles credores que tiverem seu crédito abarcado na relação de credores apresentada pelo devedor e homologada judicialmente. Mas o que ocorre com as ações e execuções ajuizadas por credor que não esteja nessa relação? Dever-se-ia aplicar a mesma regra do artigo 52, inciso III, para fazer suspender essas ações, ou elas devem ser extintas?
A questão surge com maior relevância depois que o STJ, por sua segunda turma, decidiu que os credores cujo crédito não esteja abarcado no plano de recuperação judicial têm à sua disposição o direito de habilitarem-se nos autos da ação de recuperação judicial, de modo que passem a integrar o quadro geral dos credores, como também possuem o direito de ajuizarem uma nova execução, agora fundada na sentença pela qual se autorizou o processamento da recuperação judicial, considerando que, segundo o artigo 59, parágrafo 1o., da lei 11.101, a sentença que concedeu a recuperação judicial constitui título executivo judicial.
A questão que se coloca nesse contexto radica nos efeitos que esse título executivo judicial pode e deve produzir em face de outro título executivo judicial, que é aquele com base no qual o credor terá ajuizado a execução individual, observando que se trata de um crédito que não integra a relação dos créditos alcançados pela recuperação judicial. O mesmo se deve perquirir quando se trata, não de uma ação de execução, mas de uma ação ainda em processo de conhecimento.
Segundo o que decidiu o STF, essa execução deve ser extinta, e não apenas suspensa, com o que se buscaria proteger o valor da segurança jurídica, ao não permitir que a eficácia da ação de recuperação judicial pudesse ser contrastada por ações individuais, sejam as de conhecimento, sejam as de execução.
A critério do Legislador, e por razões que vão da conveniência, utilidade até a segurança jurídica, é plenamente possível que a Lei preveja que a eficácia de um título executivo judicial possa prevalecer sobre a eficácia de outro título executivo judicial. Note-se que se fala aqui em “eficácia”, não em existência e validez, porque colocando a Constituição de 1988 sob eficaz proteção jurídica a coisa julgada material e também o direito adquirido, seria afrontar essa especial proteção que uma Lei infraconstitucional pudesse autorizar a extinção de uma ação de execução por força de um outro título executivo judicial, quando ambos os títulos gozam de uma mesma proteção jurídico-legal. O mesmo se haveria por considerar no caso das ações individuais que estão ainda em processo de conhecimento.
É o que justifica tenha a lei 11.101/2005 previsto apenas a suspensão das ações e execuções individuais, e não a extinção dessas ações. Por respeito às garantias constitucionais.
Deve-se ainda considerar que a decisão judicial que concede a recuperação judicial, malgrado constitua um título executivo judicial, deve, como todo título executivo judicial considerar a relação jurídico-material que deu origem à formação do título, de maneira que não pode produzir efeitos que sobre-excedam os limites que são determinados pela respectiva relação jurídico-material. Destarte, a decisão que concede a recuperação judicial somente pode produzir efeitos como título executivo judicial diante da relação jurídico-material que é objeto da ação de recuperação judicial; a dizer, sobre os credores que dessa ação participam.
Do que se deve concluir que os efeitos que são projetados pela decisão judicial que concede a recuperação judicial não podem atingir a esfera jurídica dos credores que não estão habilitados, a não ser para suprimir, por um espaço de tempo, a eficácia do título executivo de que são possuidores, suspendendo assim o trâmite das ações e execuções individuais, na aguarda do que vier a se decidir na ação de recuperação judicial.
Protege-se assim a utilidade da ação de recuperação judicial, sem afrontar as garantias constitucionais dos credores que não querem estar submetidos à recuperação judicial, ou porque não o podem estar, cujas ações individuais podem ser suspensas, mas não extintas.