Modifica-se um determinado instituto jurídico e é comum que seus efeitos projetem-se de modo que outros institutos sejam afetados. Há, como enfatiza BOBBIO, uma interrelação entre as normas jurídico-legais, quando compõem um ordenamento jurídico.

É o que está a ocorrer com as recentes alterações que atingiram a legislação trabalhista, sobretudo depois de o STF ter decidido que o que foi estabelecido em acordo trabalhista deve prevalecer sobre a lei. Vale, portanto, o que foi acordado.

Uma das situações atingidas com essas alterações diz respeito a uma verba trabalhista: a denominada “Participação nos Lucros e Resultados – PLR”, acerca da qual devemos contextualizar o leitor.

Trata-se uma verba que possui previsão constitucional e que conta com  regulação na lei federal  10.101/2000, a qual, expressamente, em seu artigo 3º., descaracteriza-a como verba remuneratória, o que, de resto, quadra com a norma do artigo 7º., inciso XI, da Constituição de 1988, que, também expressamente estabelece que se trata de uma verba “desvinculada da remuneração”, com o que a Constituição a caracteriza como uma verba indenizatória para fins legais, devendo ser observada essa natureza jurídica também quanto aos alimentos.

Instalou-se, com efeito, uma controvérsia na jurisprudência quanto à natureza jurídica dessa verba, o que é de especial interesse quando se trata da ação de alimentos, em que se busca definir se uma verba é de ser caracterizada como remuneratória, submetendo-a assim à base de cálculo dos alimentos, ou se é outra a sua natureza – indenizatória –, com o que se a deve excluir da referida base de cálculo.

Importante observar que a base de cálculo dos alimentos é uma construção jurisprudencial construída e sedimentada de acordo com a intelecção do artigo 400 do Código Civil de 1916, o que conduziu a adotar-se como base de cálculo mais usual a remuneração percebida pelo alimentante, surgindo então a imperiosa necessidade  de se estabelecer o que se deverá entender como tal, o que conduziu ao entendimento, hoje consolidado, de que na base de cálculo dos alimentos  devem-se abarcar todas as verbas remuneratórias, enquanto se devem excluir aquelas de natureza marcadamente indenizatória, remetendo o intérprete à lei de regência de cada verba e também à lei de natureza fiscal, como a lei do imposto de renda, porque por ror vezes essa lei define a natureza jurídica de uma determinada verba, como faz a Consolidação das Leis do Trabalho. Em alguns casos, a Constituição, ela própria, fixa essa natureza – o que se dá com a verba em questão neste processo.

Por definição legal, há que se entender a verba que o empregado recebe, habitualmente ou não, mas cuja origem está ligada diretamente ao tipo de trabalho que realiza, remunerando-o quanto ao exercício desse trabalho, seja em condições normas em que o trabalho realiza, seja em condições extraordinárias.

O aspecto nuclear que caracteriza uma verba como remuneratória radica na relação direta que mantém com o trabalho que o empregado realiza, e esse mesmo aspecto é  que cria o regime jurídico de discrímem da verba indenizatória. Destarte, quando a verba não é paga em decorrência ou em relação direta com o trabalho realizado, é de se a qualificar juridicamente a verba como indenizatória. Importante adscrever que o legislador pode, a seu talante, definir como indenizatória uma verba, ainda que possa existir algum vínculo com o trabalho realizado.

Até agora, ou seja, antes das modificações levadas a cabo na legislação trabalhista, e antes de o STF decidir que deve prevalecer o acordo sobre o que a lei prevê, entendia-se que, em se tratando de uma verba de natureza indenizatória, natureza jurídica que é fixada por norma constitucional e legal, a “participação em lucros e resultados”  não poderia compor a base de cálculo dos alimentos.

Mas agora surgiu um grave problema: se o acordo trabalhista prevalece sobre a lei, e se isso confere à possibilidade de, pelo acordo, modificar-se a natureza jurídica da verba em questão, inclusive para a estender a situações que antes, pela lei, não poderiam ser alcançadas, daí decorre a possibilidade de se fazer incorporar à estrutura da “participação em lucros e resultados” uma situação trabalhista que deveria estar fora dessa estrutura, se a lei prevalecesse, o que pode prejudicar o credor de alimentos. Ou seja, poder-se-ia ampliar o campo de atuação da “participação nos lucros”, para alcançar o que antes, pela lei, deveria estar fora dela.

É certo que o STF decidiu que as normas de acordo e convenções coletivas podem limitar ou restringir direitos trabalhistas, e a princípio apenas os trabalhistas, e não de outra natureza, o que permitiria concluir que o credor de alimentos não poderia ter a sua esfera jurídica afetada pelo que se dispuser no acordo. Mas não é tão simples assim, se considerarmos que já há uma tendência a se estenderem os efeitos de acordo trabalhista para fins tributários, obrigando a Receita Federal a respeitar o que foi acordado em termos de “parcela de lucros e resultados”, e por isso não se pode descartar a possibilidade de que a extensão acabe por atingir também o credor de alimentos, que ficaria à mercê do que se fixou no acordo trabalhista.

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