Malgrado a extensa onda de críticas contra a decisão emanada do STJ, proferida ontem, acerca da questão que envolve a taxatividade quanto a procedimentos e serviços que as operadoras dos planos de saúde estão obrigadas (ou desobrigadas) a fornecer, entendo que a decisão constitui um avanço sob importantes enfoques.
O primeiro é decorrente de o STJ não ter dotado de efeito vinculante a decisão, o que significa dizer que os juízes e tribunais continuam com a liberdade para que, em cada caso em concreto, decidam se a taxatividade deve ou não ser aplicada. A propósito, o STJ cuidou explicitar que o rol fixado pela Agência Nacional de Saúde – ANS é, em regra, taxativo, de maneira que as circunstâncias de cada caso devem ser consideradas, como, aliás, ocorria antes, o que permite concluir que pouca coisa modificou-se quanto à liberdade de interpretação do juiz nessa matéria.
O segundo avanço refere-se ao aprofundamento jurídico dessa temática, que guarda uma relação direta com o Direito Constitucional, quando examinada como fonte dos direitos fundamentais e a projeção de seus efeitos sobre o Direito Civil e o Direito do Consumidor. Os contratos de plano de saúde devem, portanto, ter as suas cláusulas, sobretudo as que se referem à cobertura de tratamentos, analisadas em função do que prevê o artigo 196 da CF/1988 (o direito fundamental à saúde). E tanto quanto esse direito ( em verdade, um princípio), que contém necessariamente um enunciado vago e fluido, técnica legislativa adequada para conceder ao juiz o poder de amoldá-lo às circunstâncias do caso em concreto, também a decisão do STF possui um enunciado vago e fluido, em especial quanto às exceções à cobertura de tratamento, cujo conteúdo e alcance devem assim ser extraídos de acordo com as circunstâncias da realidade material subjacente.
Há por se considerar ainda um terceiro avanço, que é o de trazer ao cenário a indispensável aplicação da técnica da ponderação entre interesses em conflito, ou seja, o juiz, diante de uma demanda envolvendo o usuário e a operadora deve equiponderar as posições em conflito, buscando definir qual prevalecente no caso específico, muitas vezes reconhecendo que tanto o usuário quanto a operadora possuem um direito subjetivo, mas que é necessário sacrificar um deles, o que fará com os juízes e tribunais compreendam, agora definitivamente, que, nesse tipo de conflito jurídico, há um valor que conta com uma especial importância no Direito Positivo brasileiro, que é o direito à saúde, conforme está previsto no artigo 196 da CF/1988, e que é acerca desse valor que a ponderação deve atuar. No campo do direito público, quando se trata de decidir se o Estado deve ou não fornecer um medicamento, essa análise já ocorre, mas o mesmo ainda não havia sucedido, com a frequência desejada, no caso das demandas envolvendo as operadoras de plano de saúde.
Pode-se concluir, pois, que entre mortos e feridos, ou seja, entre os que defendem a posição do STJ e aqueles que a criticam, salvaram-se todos, e quando isso sucede, salvou-se o Estado de Direito.