No recente episódio que envolve o pagamento com dinheiro público de volumosos caches a artistas, ressurge a questão jurídica que envolve os limites do poder discricionário. Afinal, qual é o limite de liberdade de que o gestor público dispõe no direito positivo brasileiro para escolher e decidir se deve ou não utilizar dinheiro público para a contratação de artistas?

Que há limites, e que eles devem ser observados, não há dúvida.  Cabe, assim, definir quais são esses limites.

Comecemos pelo que é o poder discricionário? É o poder que a Lei confere ao administrador público para, analisando a oportunidade e a conveniência, decidir entre fazer ou não fazer algo, adotar ou não adotar uma determinada política pública, construir uma obra ou não a construir, etc… A oportunidade e a conveniência são critérios que remetem às circunstâncias da realidade. De relevo observar que não são critérios totalmente subjetivos, e o controle jurisdicional pode, em determinados casos, analisá-los.

Com efeito, a Constituição de 1988 impõe sensíveis limites ao espaço de discricionariedade do gestor público, seja quando estabelece princípios como os da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência, seja quando fixa gastos obrigatórios com importantes áreas, como as da saúde e a da educação, rubricas no orçamento público que gozam de uma importante preferência. São esses, em linhas gerais, os limites que se estabelecem ao poder discricionário do gestor público.

E dentre esses limites sobreleva considerar o princípio da proporcionalidade, porque é por meio desse princípio e das formas de controle nele embutidas  que a doutrina conseguiu separar, em qualquer ato administrativo,  um pequeno espaço em que há uma liberdade quase absoluta, e um espaço maior, em que o controle jurisdicional existe e deve ser rigorosamente aplicado. Observe-se que são poucos os atos administrativos que conseguem escapar do controle jurisdicional.

Sobretudo a partir do que a doutrina e jurisprudência francesas construíram ao longo do tempo, é que se conseguiu estabelecer uma distinção objetiva entre legalidade e discricionariedade, ao se constatar que, em muitos casos, a oportunidade é matéria cuja análise deve ser feita no terreno da legalidade, submetendo-se a controle jurisdicional.

Assim, na grande maioria dos gastos públicos não se está no terreno da discricionariedade, senão que no exclusivo campo da legalidade, cujo controle jurisdicional deve ser feito pela aplicação do princípio da proporcionalidade, em que se analisa se há uma razão justa e objetiva que legitime a escolha do administrador público, ou não, considerando-se nesse contexto a preferência que a Constituição de 1988 erige quanto a gastos com educação e saúde, que não podem ser preteridos e cujos recursos  não podem ser destinados a outras áreas, a não ser que se comprove que é adequado o que se tem despendido com elas.

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